Aprenda a fazer assindética!

Escrito por: Kamo Kronner

Convivendo com pessoas na internet, principalmente pelo Twitter e pelo Discord — onde considero que são mais propensos à comunicação textual do que o audiovisual — percebi um fenômeno muitíssimo interessante e complexo de se resolver.

A grande maioria não tem a mínima ideia de pra que servem as pontuações.

Isso me deixa extremamente triste, na verdade, pois, por mais que eu tive uma educação privilegiada em relação à maioria, sinto que muitos são mal compreendidos por causa de sua escrita, mesmo possuindo ideias realmente boas.

Mais do que dar espaço para as pessoas falarem por si com a sociedade, devemos dar às pessoas ferramentas certas para elas opinarem. É como se entregassem carros para dirigirem sem ensiná-las nem mesmo a trocar a marcha. É terrível.

E essa minha indignação vai introduzir uma das maiores e mais complexas estruturas linguísticas que pouco se sabe sobre seu funcionamento, acarretando em milhares e milhares de equívocos na hora de se escrever um texto. E claro que neste blog vamos falar da escrita em novels.

A Tal da Assindética

Para quem está começando a jornada na escrita criativa, essa palavra pode ser enigmática ou assustadora. Porém, para quem já estuda conosco na Novel Brasil… é ainda pior.

Convenhamos que nem os tutores nem os artigos passados por eles explicam a fundo acerca desse tema. Geralmente ocorre uma explicação básica do tipo:

"Orações que são coordenadas sem conjunções."

A conclusão é que qualquer um pensaria que qualquer frase com duas ou mais orações que não são ligados por conjunções seriam orações coordenadas assindéticas.

Errado! Terrivelmente errado!

O que acontece é que, mesmo as pessoas conhecendo ou não essa definição, textos e mais textos eu encontro com “supostas assindéticas”. Eu disse “supostas” porque na verdade eram apenas frases diferentes ligadas por vírgulas.

Esse fenômeno ocorre tanto com escritores de novels quanto em textos de redes sociais, tantas pessoas praticando um equívoco chamado de frases siamesas.

A parte mais engraçada nisso é que o que pessoas praticam por desconhecimento, outros praticam munidos das desculpas mais esfarrapadas. Mesmo aqueles que já estudaram um pouco sobre gramática, sobretudo sintaxe, usam a desculpa da “assindética” como escudo para as frases siamesas.

Então, antes de entender um pouquinho mais sobre orações coordenadas assindéticas, vamos estudar sobre esse fenômeno das siamesas.

Frases Siamesas

Uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico, isso foi surpreendente.
Ele veio do meu mundo finito, me deixa olhar apenas alguns séculos!

Mas é claro que eu tinha que trazer exemplos do nosso querido Eduardo Goétia, autor de Mestre da Masmorra, de onde extraí os dois excertos acima.

Mas, Kamo, por que esses 2 textos estariam errados?

Simples: são frases siamesas. Calma, calma, me deixe explicar! Vamos às definições:

As frases siamesas caracterizam-se por apresentar idéias ligadas incorretamente, ou seja, frases distintas, que possuem enunciado completo, são apresentadas como se fosse uma só, por não haver elemento de ligação entre elas, como sinais de pontuação ou conectivos. Este nome é devido à analogia de irmãs ou irmãos siameses (crianças que nascem unidas por uma parte do corpo).

Isso te lembra alguma coisa? Vou te ajudar. Vou mostrar algumas das definições de assindética:

  • “Em que há assíndeto; sem a conjunção coordenativa expressa.” — Dicionário Michaelis
  • “Diz-se do período sem conectivos entre palavras, termos ou orações."
  • “Justaposição; em que há assíndeto, ausência de conjunção coordenativa entre palavras, termos ou orações.” — dicio.com.br
  • “diz-se da coordenação em que os membros não estão ligados por conjunção ou locução coordenativa” — infopedia
  • “em que ocorre assíndeto; sem conectivo (diz-se de período); justaposto, paratático” — Dicionário Houaiss

Chega, não é mesmo? Em todas diz sobre a ausência de conectivos ou conjunções. Porém, a definição das frases siamesas diz justamente sobre a falta que faz tais conectivos.

Então, cargas d’água, qual definição está correta? A de que tais frases são orações coordenadas assindéticas ou de que tais frases são realmente siamesas?

Na verdade uma completa a outra, pois as duas definições são incompletas.

A definição de frases siamesas não explica o que significa “enunciados completos”. Já a definição de assindética não explica que há condições disso ocorrer sem ser considerado apenas um erro sintático, pois apenas a ausência das conjunções por si só, por definição, é assindética.

Mas há assindetismo correto e assindetismo incorreto. O assindetismo correto é a formação de uma oração coordenada assindética. O assindetismo incorreto é a formação de uma frase siamesa.

Toda essa confusão na verdade é gerada pela definição vaga do que é uma…

Frase

construção que encerra um sentido completo, podendo ser formada por uma ou mais palavras, com ou sem verbo, ou por uma ou mais orações; pode ser afirmativa, negativa, interrogativa, exclamativa ou imperativa.

— Dicionário Houaiss (2001)

Você pode já ter se deparado com uma definição dessas. Às vezes como “um enunciado de sentido completo, a unidade mínima de comunicação” (Cunha e Cintra 2001) ou como “unidade sintática/gramatical com um sentido completo”, mas sempre acompanhado desse tal de “sentido completo”, ou até mesmo “todo enunciado suficiente por si mesmo para estabelecer comunicação”.

Mas eu pergunto: o que é ser completo ou ser auto-suficiente?

Certamente é aquilo que não lhe falta coisas, está completa, portanto, sem lacunas.

Buscando mais um pouco sobre o significado disso, alguns dizem que “uma frase tem sentido completo quando não precisa de mais complementos”.

Então estamos falando de complementos verbais e nominais? Sim e não. É outra resposta incompleta que encontrei e que não faz sentido para este artigo.

Houve inclusive uma triste definição sobre isso de que o maior problema sobre as frases siamesas é a

incapacidade de determinar o que seja exatamente uma frase completa

— em Curso Básico de Redação (1977), escrito por Cláudio Moreno e Paulo Coimbra Guedes.

Eu estava lendo esses dias um artigo escrito em 2007 por Isabel Maria Paese Pressanto e Samira Dall Agnol, ambas da Universidade de Caxias do Sul, o qual baseio este artigo, e vi que elas propuseram unir os pontos de vista sintático e semântico para a solução do problema, mas que a meu ver apenas repetiram o que Moreno e Guedes, em 1977, fizeram: exemplificaram frases siamesas e corrigiram uma a uma, sem oferecer definição geral.

Sim, caro leitor deste artigo, nós fomos abandonados pelos estudiosos da linguística. Mas não estou aqui para abandonar você. Eu não.

Com um olhar mais atento, percebi que a resposta sempre esteve lá. Na verdade, ninguém nos abandonou.

Tão tímido e minúsculo vocábulo, que me esclareceu tudo, estava lá: “um”. Cunha e Cintra e também a Houaiss nos trolaram esse tempo todo.

Aquele “um” de “um sentido completo” ou de “um enunciado de sentido completo”, não era um mero artigo indefinido, era também um numeral. Isso também pode ser observado no fato de que “sentido completo” está no singular, não no plural. A palavra “completo” também tem um duplo significado que muitas pessoas não observam: não é só que não há falta de algo, mas que também está em sua capacidade máxima.

Então o termo “um sentido completo” te dá várias pistas do que isso significa por causa de vários significados ambíguos que as próprias palavras que a compõem possuem.

A conclusão é de que:

“Uma frase é um enunciado que possui apenas um sentido afirmativo, negativo, interrogativo, exclamativo ou imperativo que não precisa de mais complementos.”

Munidos dessa definição, vou explicar em detalhes técnicos como podemos construir frases “completas”.

Como construir frases

Vamos começar agora a definir tecnicamente o processo de construção de uma frase, segundo a definição da seção anterior. Por tecnicamente, quero dizer em termos sintáticos e também semânticos.

A construção básica de uma frase pode ser compreendida melhor com frases verbais, aquelas que são formadas por orações.

Orações são, basicamente, enunciados que contêm um verbo ou uma locução verbal. Vamos nos atentar aqui sobre a semântica utilizada na seção anterior relativo à palavra “um”. Então:

1 verbo OU 1 locução verbal = 1 oração

A oração mais elementar, portanto, seria uma oração composta apenas pelo verbo, possivelmente um verbo intransitivo com sujeito oculto.

A estrutura elementar de uma oração por si só, no entanto, não explica a essência de nossa disposição, já que como pode uma frase não ser completa se apenas uma palavra, o verbo, é capaz de completá-la?

Então, a partir daqui, nós vamos dividir nosso raciocínio sobre 2 pontos da nossa definição: a primeira, de “não precisar de mais complementos”, e a segunda, de “possuir apenas um sentido”.

Complementação frasal

O que muito acontece quando aprendemos coisas na escrita são as palavras que possuem múltiplos significados. Isso inclusive é pauta em semântica sobre homônimos e polissemia.

Nesse caso em específico, quem já estudou um pouquinho sobre sintaxe, já deve ter se deparado com os termos “complemento verbal” e “complemento nominal”. Como pode perceber, a complementação frasal é um termo mais amplo, considerando a própria definição de frase.

Comumente só encontramos vagas descrições de frase, como exposto por todo este artigo anteriormente, e a matéria de sintaxe já pula seus ensinamentos para as orações coordenadas e orações subordinadas. É aí que entra a complementação frasal, para dar aqui quais são os termos da frase.

Isso mesmo. Não são termos da oração, mas sim termos da frase.

Orações coordenadas e orações subordinadas todo mundo já conhece — ao menos espero que conheça —, mas todo mundo se esquece da oração principal. Também temos as orações justapostas e correlatas, que são pouco estudadas também.

Pegando um empréstimo das definições dos termos de uma oração, uma frase verbal essencialmente necessita de uma oração principal.

A complementação frasal, portanto, ocorre principalmente quando há ausência de oração principal na frase proposta, sem esquecer, claro da complementação verbal e nominal, que são subordinadas a essa regra também.

Sabemos, então, que se trata de frases fragmentadas quando encontramos textos assim:

  • “Quando eu me encontrar com você.” (Oração subordinada adverbial temporal)
  • “Porque não levei o prato à pia.” (Oração coordenada explicativa)
  • “Ou eu faço as malas agora mesmo.” (Oração coordenada alternativa)

Frases fragmentadas seriam o equivalente oposto de frases siamesas, quando, ao invés de ter um corpo textual a mais grudado, temos uma parte do corpo faltando, isto é, a oração principal.

Orações coordenadas e subordinadas são como braços e pernas do corpo. Estando somente elas dispostas no texto, ficaria apenas uma cena grotesca de terror.

Um sussurro estarrecedor, mas nada mais se ouvia, enquanto emaranham-se os pés na poça de carne e sangue.

A frase acima carece de uma oração principal, formada somente por fragmentos. Geralmente esse problema acontece quando o escritor imagina que o leitor seguirá a mesma linha de raciocínio que ele estava tendo no momento em que escreveu. A verdade é que quem lê interpreta o que está escrito e não o provável pensamento do autor. Então:

“Foi surpreendido por um sussurro estarrecedor, mas nada mais se ouvia, enquanto emaranham-se os pés na poça de carne e sangue.”

Outra fragmentação é colocar a oração principal em frase separada das coordenadas ou subordinadas.

Ele se agarrou à parede na única pedra que quase caía. Como se fosse a última esperança.

Esse erro é bem besta, na verdade, e espero que você não esteja cometendo. A oração subordinada adverbial comparativa “Como se fosse a última esperança” está separada da oração principal da frase anterior.

Mas, como diz o bom ditado popular, sempre há exceções às regras. Há possibilidade de formar uma frase somente com a oração coordenada ou subordinada. Isso pode ser feito com o processo anafórico, estudado na estilística da gramática.

A anáfora, como é conhecida, é a repetição de uma palavra ou grupo de palavras no início de duas ou mais frases sucessivas. O processo anafórico é derivado desse conceito e visa analisar as repetições de palavras ou grupos de palavras presentes no texto.

Faz parte do processo anafórico, por exemplo, a substituição de nomes de personagens por pronomes ou substantivos referenciais. Você já deve ter chamado um personagem de “ele” ou “o calvo”, não? O processo anafórico também analisa referências e concordâncias entre as frases.

Pelo processo anafórico, o caso mais comum de exceção à regra da complementação frasal são as frases interrogativas e as respostas, pois uma frase complementa a outra e são enunciadas por pelo menos 2 interlocutores diferentes.

O primeiro e o segundo exemplo desta seção exemplifica isso, na verdade.

— Quando você vai me pagar?

— Quando eu me encontrar com você.
— Por que você levou uma bronca?

— Porque não levei o prato à pia.

O processo anafórico, nesses casos, permite que se suprima a informação já dita na pergunta, não necessitando que a pessoa que responda tenha que repetir, senão ficaria assim as respostas:

“Eu vou te pagar quando eu me encontrar com você.”

“Eu levei uma bronca porque não levei o prato à pia.”

Quanto ao terceiro exemplo, ali ocorre uma anexação tardia de oração coordenada já finalizada. O fenômeno acontece quando um 2º interlocutor quer acrescentar uma oração coordenada ou subordinada à fala de outro.

— Você pode ficar aqui por alguns dias.

— Ou eu faço as malas agora mesmo.

Pode acontecer com subordinadas também:

— Você estragou a nossa viagem!

— Que você insistiu em me trazer mesmo eu não querendo.

A maioria das frases fragmentadas legítimas ocorrem geralmente nos diálogos mesmo, pela própria dinâmica corroborada pelo processo anafórico praticado pelas pessoas no dia a dia.

Outra exceção que ocorre muito é o uso da conjunção aditiva “E” e da conjunção adversativa “Mas” iniciando tanto frases como também parágrafos.

O uso estilístico da conjunção mas no princípio das frases é legítimo, gramaticalmente e estilisticamente correcto. [...] O mas utilizado no princípio da frase tem um uso enfático muito apreciado por certos autores de renome como os que refere.

— em Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

Optar por iniciar uma frase com a conjunção e – ou, noutra perspetiva, separar com um ponto final duas frases ligadas por uma conjunção – tem que ver com valores estilísticos, prosódicos e semânticos, servindo, sobretudo, para realçar relações de contraste, de causa-consequência ou de adição entre os dois elementos.

— em Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

Além das explicações dadas acima, caracterizando como um recurso estilístico válido, vale ressaltar o realce diferenciado que tais conjunções realizam. Por vezes a adição ou a adversidade é mais ampla do que é com a oração. Veja a diferença:

  • “Eu acordei tarde, mas cheguei a tempo no trabalho.”
  • “Eu acordei tarde, perdi um ônibus, o trem quebrou e fui assaltado no caminho. Tudo estava contra mim e já tinha perdido a esperança. Mas cheguei a tempo no trabalho.”

Perceba que o “Mas” do segundo exemplo está contradizendo acerca de toda a situação exposta, não somente da frase ou oração anterior. Pela estilística, podem tais conjunções terem valores puramente expletivos também, ou seja, apenas enfatizam, mas não complementam no sentido:

E também vermelho, em lugares, que é cor de barro ou sangue sangrado. Mas isso depende do que no chão se plantou e cultiva, etc.

— José Saramago em Levantado do chão

Tendo em mente as exceções colocadas, frases fragmentadas devem ser evitadas para se ter um enunciado com sentido completo em uma frase. Fica observado que nas exceções deve haver um contexto ao qual a fragmentada se coordena ou se subordina para que seja válida, ou por processo anafórico, ou por processo estilístico.

Agora vamos ver o outro lado da moeda.

Configuração de sentido único

No processo de complementação frasal, vimos que a falta da oração principal traz prejuízos à completeza da frase. Como mencionei anteriormente, a completeza não é somente a observação da falta de algo, mas também da capacidade máxima que uma frase pode ter.

Direto ao ponto, a capacidade máxima de uma frase é definida pela quantidade da oração principal: 1.

A sintaxe permite que uma frase contenha infinitas orações coordenadas e infinitas orações subordinadas, mas comporta apenas uma oração principal, que antigamente já foi chamada de oração coordenante e oração subordinante.

A oração principal se caracteriza por não possuir uma conjunção precedendo, sendo a oração central na qual as outras orações presentes na frase se coordenam ou se subordinam.

Vejamos o exemplo a seguir:

Quando me alistei no exército, vi minha mãe em choros, mas não sabia o porquê.

Podemos destacar 3 verbos dessa frase: alistei, vi e sabia.

O verbo “alistei” está em uma oração precedida pela conjunção subordinativa adverbial temporal “quando”.

O verbo “sabia” está em uma oração precedida pela conjunção coordenativa adversativa “mas”.

Portanto, é fácil saber que a oração principal dessa frase é a do verbo “vi”, “vi minha mãe em choros”.

Identificar a oração principal na frase é um dos passos mais importantes de uma análise sintática, que infelizmente muitos fazem pouco caso e se concentram nos estudos das coordenadas e subordinadas.

No exemplo acima, posso ainda acrescentar que o adjunto “Quando me alistei no exército” é termo da oração principal, devendo ser destacado em conjunto, mas, em se tratando de adjunto adverbial, não faz muita diferença para esta análise.

Vamos dificultar um pouco mais:

O homem viu a face do medo, sentiu o calafrio surgir, bebeu da pior sensação e sobreviveu àquele horror.

Daqui destacamos os verbos: viu, sentiu, bebeu e sobreviveu.

Perceba que agora somente o verbo “sobreviveu” está em uma oração com conjunção precedendo, “e”. A conclusão simples que teríamos é a de que as outras 3 orações seriam classificadas como orações principais.

Isso pode claramente ferir o que propomos anteriormente, mas esta construção de frase é legítima na sintaxe e na estilística.

Ocorre aqui duas orações coordenadas assindéticas prototípicas, em que se evita o polissíndeto nessa frase. Eu sei, eu sei, as palavras assustam. Mas veja o lado bom: finalmente voltamos com a assindética.

Primeiro, deixe-me explicar sobre o “polissíndeto”. A sintaxe permite que mais de uma da mesma conjunção seja utilizada sucessivamente em uma frase. Pegando o exemplo anterior, podemos fazer isto:

O homem viu a face do medo e sentiu o calafrio surgir e bebeu da pior sensação e sobreviveu àquele horror.

Isso é o que chamamos de polissíndeto, quando há repetições da mesma conjunção nas orações da frase. Em geral se sugere evitar esse tipo de construção, mas a estilística permite, tanto quanto a sintaxe.

No intuito de se evitar o polissíndeto, sugere-se elipsar (ocultar/suprimir) as primeiras conjunções de uma série da mesma conjunção, deixando apenas a última mantida.

Essa manutenção da última conjunção é requerida na maioria dos casos para explicitar se as conjunções elipsadas são aditivas ou alternativas (se é “E” ou “OU”).

Sendo este processo muito comum na linguagem falada, bem como na linguagem escrita, é reconhecida como protótipo de uma oração coordenada assindética, ou seja, uma assindética que é facilmente reconhecida como válida.

Portanto, o exemplo apresentado possui apenas uma oração principal, “O homem viu a face do medo”, sendo as outras coordenadas por assíndeto ou coordenada por conjunção aditiva, e está, então, correta.

As orações coordenadas assindéticas prototípicas são a alternativa mais comum na estilística a fim de se evitar o polissíndeto e utilizado no dia a dia. Com isso também podemos formar frases inteiramente assindéticas quando as conjunções entre as orações forem todas a mesma.

Vim, vi, venci

(Veni, vidi, vici)

Sopra o vento, o Sol vem, crestam-se as rosas…

— Goulart de Andrade

Os anos vieram, / o menino crescia, / as esperanças maternas de d. Carmo iam morrendo

— Machado de Assis

A prototipagem dessas assindéticas ocorre naturalmente quando há 3 ou mais orações ligadas pela mesma conjunção que se percebe oculta. Quando há apenas duas orações, é sugerido que se coloque uma conjunção:

Deram o braço e desceram a rua

— Machado de Assis

O efeito de não se colocar uma conjunção em uma frase com 2 orações, tipicamente com características de uma oração principal, é o que chamamos de frases siamesas:

“[Uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico,] [isso foi surpreendente.]”

“[Ele veio do meu mundo finito,] [me deixa olhar apenas alguns séculos!]”

Sintaticamente não há necessidade alguma de se unir orações independentes — orações que poderiam ser orações principais de uma frase — apenas pela ligação de seu contexto.

Ah, mas as frases têm relação uma com a outra. Dá pra unir.

As frases acima, porém, forçam essa união de forma errada, possuindo cada um termos completos, essenciais e integrantes, e não são fragmentados, sem características de serem coordenadas ou subordinadas. São, na verdade, duas frases disputando o lugar de ser uma oração principal.

Tais frases gêmeas (não frases iguais, mas que nasceram juntas) são exemplos típicos de frases siamesas. Outro exemplo típico são de frases intercaladas por adjuntos adverbiais:

Eu fui dormir, quando chegou a noite, eu me levantei.

Ocorre acima uma ambiguidade sintática, quando um termo da oração pode se referir a 2 outros termos, nesse caso a 2 orações diferentes. Vou chamar as orações de “oração casada” e “oração amante”, por analogia ao relacionamento humano. Deixo claro que essa terminologia não existe; inventei aqui para exemplificar.

Não se sabe no exemplo quando exatamente a pessoa dormiu e acordou, por mais que o adjunto diga que foi “quando chegou a noite”, já que a pessoa pode ter ido dormir quando chegou a noite ou ter se levantado quando chegou a noite. É ambígua e confusa. Não dá nem pra saber qual oração é casada e qual é amante.

Isso acontece à vista de quem lê, mas o autor sabe exatamente com qual oração o adjunto está casado, e por “descuido” ou “escolha” não fez a separação da amante. Considero, portanto, esse tipo de erro uma “traição” para com o leitor por parte do autor, pois o autor sempre sabe e escondeu isso do leitor.

Frases siamesas podem ficar ligadas uma à outra dessa maneira, como por exemplo com vírgulas mal colocadas ou com adjuntos mal colocados. A correção que se faz em frases siamesas, como nos humanos, é a separação cirúrgica, que pode ser feita por pontuação ou até mesmo por conjunção.

  • “Uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico. Isso foi surpreendente.”
  • “Uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico, e isso foi surpreendente.”
  • “Ele veio do meu mundo finito. Me deixa olhar apenas alguns séculos!”
  • “Ele veio do meu mundo finito, então me deixa olhar apenas alguns séculos!”
  • “Eu fui dormir, quando chegou a noite. Eu me levantei.”
  • “Eu fui dormir e, quando chegou a noite, eu me levantei.”

Isso na verdade é a forma mais simples — e preguiçosa — de correção de frases siamesas. A sintaxe vai te permitir que você faça alterações na ordem de disposição dos termos e orações, e também alterar de coordenação para subordinação, mantendo o aspecto semântico, ou seja, a ideia e o significado daquela frase.

Vamos pegar a primeira frase para mostrar outros exemplos de correção:

  • “Uma alma atravessar do infinito quântico para o infinito mágico foi surpreendente.”
  • “Foi surpreendente que uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico.”
  • “Uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico me surpreendendo.”
  • “Quando uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico, foi surpreendente.”
  • “Uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico, portanto foi surpreendente.”

Como pode perceber, as soluções para frases siamesas podem ser inúmeras, mas possuem uma fórmula simples: ou você separa as duas orações em frases separadas, ou você escolhe uma das duas para ser a principal, sendo a outra coordenada ou subordinada utilizando a conjunção.

Terminada a exposição sobre a mecânica da construção de frases, vamos aprender agora a quebrar essas regras.

Quebrando as regras

Antes de te mostrar técnicas que vão te ajudar a estruturar frases complexas que extrapolam o universo ortodoxo da língua, preciso te alertar que nada do que falei são REGRAS.

Existe uma discussão muito burra acerca da linguagem que é de pessoas reclamando munidos das “regras do português”.

Vamos deixar bem claro: não existe uma coisa chamada de regras do português, como se alguém legislasse sobre a língua.

O que existe, na verdade, são estudos, como é a gramática e como é a linguística. Os profissionais que trabalham nessas duas áreas poderão me responder que o que eles fazem não é ditar regras de como uma língua deve funcionar. Ao invés disso, o que eles fazem é estudar como a língua de fato funciona, como se fosse um fenômeno natural que podemos explorar.

Imagine Isaac Newton dizendo: “Essa maçã não deveria cair no solo; deveria era subir aos céus”. Puf! Newton criou a Lei da antigravidade!

Caro leitor deste artigo, você realmente acreditava que alguém criaria regras para a língua?

A ordem é simples: o estudo linguístico e de gramática visa entender como pessoas que falam a mesma língua podem se entender. Simples. O que é considerado um “erro de português” na verdade é um texto ou uma fala em que a informação é confusa, difícil de se entender, por pessoas que falam aquela mesma língua.

Não é uma regra que diz que aquilo está errado ou certo.

A gramática apenas reúne as formas de escrita — e também de fala, vamos lembrar — que a grande maioria dos falantes da mesma língua vão compreender.

Dito isso, vou explicar 3 formas existentes na gramática que vão contradizer um pouco do que eu disse na seção anterior: a justaposição, a correlação e a coordenação assindética.

Orações justapostas

Por muitas vezes confundida com a oração coordenada assindética, as orações justapostas são basicamente orações inseridas na frase sem o uso de conjunção.

A diferença entre a assindética e a justaposta é que a justaposta não necessariamente é uma frase independente, se comportando muitas vezes como uma oração subordinada, e não coordenada.

Nós temos 3 tipos de orações justapostas:

  • Oração justaposta intercalada
  • Oração justaposta aposta
  • Oração justaposta adverbial

Oração justaposta intercalada

As orações justapostas intercaladas, também chamadas de orações interferentes, são orações que tangenciam outra oração, ou mesmo frases em alguns casos, se assemelhando às orações subordinadas, principalmente a substantiva.

Tais orações aparecem sempre isoladas por vírgula, travessão, parênteses ou colchete e o comentário que realizam costuma ser uma opinião, observação, desejo, desculpa, ressalva ou advertência do emissor.

No nosso caso, isolamos por vírgulas ou travessões. Vamos ver um exemplo:

E dessa vez, não creio, ele fez diferente.

Podemos perceber 2 orações independentes nessa frase:

“E dessa vez ele fez diferente.”

“Não creio.”

Assim, o emissor oferece uma opinião acerca do fato narrado na frase, fato que não era esperado por ele.

Podemos justapor orações dessa maneira, quando se está simulando uma voz interferindo na voz daquela frase. Por isso se chama interferente.

Perceba também que não há conjunção alguma em “não creio”. A conjunção “E” da outra oração não justifica uma coordenação entre essas duas orações, pois se trata de conjunção de realce, como explicado nas seções anteriores. Essa oração intercalada também não substitui nenhum termo da oração principal, ou seja, não é subordinada.

Não se coordena, não se subordina, é exclusivamente justaposta. No entanto é perceptível a dependência semântica que ela tem com a oração principal: “não creio” em quê?

O verbo crer pode ser intransitivo, mas nesse caso é claro a transitividade pelo contexto. Se fôssemos desenvolver, ficaria assim:

Não creio que dessa vez ele fez diferente.

Mas, como o emissor queria colocar em destaque o fato ocorrido, não a sua opinião, a frase construída não teve a proposição “ele fez diferente” como uma subordinada da opinião.

Ao fazer análises dessa forma, é possível entender que, primeiro, a ordem tampouco importa para a frase estar correta, contendo as informações propostas para a frase, mas, segundo, alterar a ordem pode transparecer as intenções e personalidade do emissor da frase.

Vamos ver alguns exemplos de intercaladas:

  • Citação: quando se intercala um discurso direto; nosso querido dicendi.
    — Tá maluco, doido? — perguntou-se o louco.
  • Advertência: quando se esclarece um ponto de vista, ou muito comumente uma imprecisão.
    Ontem de noite, creio que às 23h, ouvi um barulho.
  • Opinião: quando se expressa uma opinião, muitas vezes adjetiva.
    O guarda, valente como é, fugiu com o rabo entre as pernas.
  • Desejo: quando se expressa um desejo do emissor (meio óbvio).
    O monstro finalmente caiu — tomara que esteja morto —, depois de levar 100 tiros.
  • Escusa: quando se pede desculpa no meio da frase.
    O miserável do teu irmão, perdoe-me a indelicadeza, me roubou!
  • Permissão: quando se faz uma solicitação retórica, ou seja, solicita, mas não espera pela permissão.
    Meu primo querido, permita-me aqui um elogio, você tem uma bela de uma casa.
  • Ressalva: quando se condiciona, se restringe ou se reserva um enunciado.
    Você nasceu na família mais respeitada do reino, diga-se de passagem, e não consegue um emprego sequer?

As orações justapostas intercaladas, portanto, expressam bastante a parte emocional de um interlocutor, que não se restringe somente ao enunciado frio, e se assemelham a como colocamos interjeições.

Oração justaposta aposta

Já as orações justapostas apostas são muito parecidas com as orações subordinadas apositivas.

“Sua única condição era o que me assustava: que eu me casasse com ele.”

“Sua única condição era o que me assustava: eu devo me casar com ele.”

O primeiro exemplo se trata de subordinação aposta, e expressa pela pela conjunção “que”. Já o segundo exemplo possui o mesmo valor sintático e semântico do primeiro exemplo, mas não possui relação expressa com uma conjunção, sendo justaposto.

Observe que para fazer a justaposição tive de alterar um tanto a composição dos elementos. Eu não poderia simplesmente retirar a conjunção:

“Sua única condição era o que me assustava: eu me casasse com ele.”

Essa composição não funciona pelo fato de que a oração justaposta está fragmentada. A fragmentação ocorre com a conjugação verbal no subjuntivo, fazendo com que parecesse uma oração subordinada adverbial condicional.

Ah, mas essa não é a condição indicada na frase?

Parem de relacionar o conteúdo da frase diretamente com a estrutura, pelo amor de Deus! Uma oração condicional exige que a oração principal seja a consequência se tal condição for atingida. “Sua única condição era o que me assustava” é a consequência?

Fazendo um exercício eu posso escrever: Casasse-me com ele, posso herdar sua fortuna.

Condição: Me casar com ele.

Consequência/Resultado: Herdar sua fortuna.

Ou seja, a consequência da oração “eu me casasse com ele” não está em “Sua única condição era o que me assustava”. Portanto permanece fragmentada, e não se usa frase fragmentada como oração justaposta aposta; ela deve ser auto-suficiente mesmo dentro da frase que se encontra.

Senão, faça uma oração subordinada apositiva ou uma oração subordinada adjetiva explicativa:

“Sua única condição, que era me casar com ele, era o que me assustava.”

Nesse caso da aposta, é comum utilizar dois pontos (:) ou ponto e vírgula (;) para delimitar a oração principal da justaposta, muito raramente uma vírgula.

Oração justaposta adverbial

Por último das justapostas temos as justapostas adverbiais. Estas são raríssimas, no sentido de haver poucos exemplos, mas são bem utilizadas.

Nós fazemos construções de frases com adjuntos adverbiais na forma desenvolvida com conectivos e com orações reduzidas, que inclusive é alvo de muitos artigos espalhados por aí na internet. Já as orações justapostas adverbiais, em que não há uma conjunção na oração adverbial e nem formas nominais do verbo, como o infinitivo, o gerúndio e o particípio, também utilizamos, mas pouco mencionadas.

São os casos onde usamos advérbios iniciando a oração. Essa frase anterior já dá esse exemplo. A palavra “onde” não é um conectivo, é um advérbio de local. São utilizadas comumente e se classifica como oração justaposta.

Quero me encontrar amanhã com você onde nos conhecemos.
“Minha terra tem palmeiras/ onde canta o sabiá

Canção do Exílio de Gonçalves Dias

São raros os advérbios que podem funcionar dessa maneira, em que se permite a forma desenvolvida do verbo, sem utilizar os nominais. Os casos que conheço são de advérbios de lugar.

Esses são os 3 tipos de orações justapostas em que não se necessita o uso de conectivos para se colocar em uma frase com outra oração presente.

Há também uma discussão acerca das orações reduzidas, que alguns consideram como justaposição, já que se suprime o uso de conectivos também. No entanto, considero que não seja o caso, por se tratar de outra classificação.

Pegando o mesmo exemplo já utilizado:

“Sua única condição era o que me assustava: me casar com ele.”

No Guia de Análise Sintática, João Luiz Ney, em 1955, levantou uma frase com a mesma estrutura acima como sendo uma justaposição:

“O viúvo teve uma única preocupação: deixar a música.”

Particularmente considero que seja apenas uma subordinação apositiva reduzida do infinitivo, e que a justaposição na verdade requer que não haja essa redução.

Aliás, estou seguindo a classificação proposta pelo João Luiz Ney sobre as orações justapostas e, o que falarei a seguir, as orações correlatas.

Orações correlatas

Lembra do que falei sobre uma frase não poder ter 2 orações concorrendo a posição de uma oração principal? Pois é. Aqui ocorre um caso curioso.

Orações correlatas são duas orações que, de tão correlacionadas que são, se comportam como uma só, não sendo independentes. Vejamos um exemplo:

Não apenas você me disse o seu nome, como também onde mora.

O “não apenas” é uma locução conectiva, assim é o “como também”. Nessas frases temos a presença de 2 conectivos, uma em cada oração em uma frase de 2 orações.

As duas frases são coordenadas?, ou seriam subordinadas? Não, elas são correlatas. Ao invés de 1 conjunção, aparecem 2 termos conectivos, tornando as duas orações interdependentes, uma dependendo da outra.

Alguns podem confundir pelo fato de que há uma certa subordinação ou coordenação, porém é uma subordinação ou coordenação recíproca, se diferenciando das outras orações. As orações correlatas se subordinam ou se coordenam uma com a outra.

Por esse fato também pegamos termos emprestados da coordenação e da subordinação para tipificar as orações correlatas, que são:

  • Correlatas aditivas

    Pares correlatos: não só… como, não apenas… como, tanto… como, não apenas… mas também, tão… como, etc.

    Não só os temperos são importantes, mas também os métodos contribuem para o sabor.
  • Correlatas alternativas

    Pares correlatos: nem... nem, ora... ora, seja... seja, etc.

    Exemplo: Com uma boa negociação, nem pagaria a mais, nem pagaria a menos pelo produto.
  • Correlatas comparativas

    Pares correlatos: mais/menos/melhor/pior/tanto (do) que/de/como. (Nesse caso é mais comum os pares ficarem no meio entre as orações)

    Exemplo: Entendo de magia melhor do que você entende de espadas.
  • Correlatas consecutivas

    Pares correlatos: tão… que, tanto… que, etc.

    Exemplo: Ganhei tanto dinheiro que não preciso trabalhar mais.
  • Correlatas proporcionais

    Pares correlatos: quanto mais/menos… mais/menos.

    Exemplo: Quanto mais você insistir, mais vai se sentir rejeitada.

Essa é uma classificação feita pela Violeta Virgínia Rodrigues no livro Ensino de gramática: descrição e uso, de 2007. Tomei a liberdade de alterar exemplos usados por ela como um exercício para mim mesmo.

O João Luiz Ney, que mencionei antes, classificou apenas as aditivas, comparativas e consecutivas. Então, pode-se notar uma divergência de classificação entre os estudiosos da área. Apenas peguei a com mais tipificação que considerei razoável.

Como pôde ver, as orações correlatas são construídas com pares de termos conectivos, conjunções, locuções ou advérbios, e não são possíveis de desvincular uma oração da outra sem que se faça uma alteração considerável, tanto na sintaxe como na semântica.

Se pegarmos o último exemplo para realizar a desvinculação, podemos até fazer isso:

Você insiste muito. Vai se sentir rejeitada.

Aí nós perdemos a correlação entre as frases. Podemos até utilizar a forma subordinada:

À medida que você insistir, vai se sentir rejeitada.

Aqui temos uma forma subordinada mais aproximada da correlação.

A regra é simples: quando se necessitam pares correlatos que conectam duas orações, temos duas orações correlatas e uma ausência legítima de oração principal.

E agora vamos ver como se faz uma oração coordenada assindética.

Oração coordenada assindética

Como já mencionei antes, podemos construir frases com coordenação assindética prototípica, que são orações em que ocorre a elipse de conjunções aditivas ou alternativas de forma repetida.

Acendeu um cigarro, cruzou as pernas, estalou as unhas, demorou o olhar em Mana Maria.

— Antônio Alcântara Machado

Este é um exemplo que usei no meu primeiro artigo aqui no Grimório do Escritor.

Usa-se, portanto, a coordenação assindética quando há presença de 2 ou mais orações coordenadas aditivas ou alternativas, além da oração principal. Quando for alternativa, recomenda-se não fazer elipse da última conjunção.

“Neste vasto deserto, quero me esquecer de quem eu sou, me lembrar de quem eu fui, me agarrar ao que posso ser ou simplesmente continuar a viver.”

É necessário que haja uma sequência lógica entre as orações, podendo ser uma enumeração paralela ou ações sequenciais.

Vamos então entender um pouco mais do mecanismo da coordenação assindética e seus tipos. Para isso, precisamos aprender sobre o paralelismo.

Paralelismo

Uma coordenação assindética muito simples de se fazer é a coordenação assindética por paralelismo sintático, e de uma forma não tão usual com o paralelismo semântico. Mas o que significam esses termos?

Existe uma diferença entre um texto “correto” e um texto “fácil de ler”. Essa diferença é, em geral, exposta pelo conceito do paralelismo. Vamos ver um exemplo abaixo:

Eu gosto de treinar de manhã, livros depois do almoço e da agitada noturna.

Perceba acima como temos 3 termos coordenados que aparentemente estão corretos: treinar de manhã, livros depois do almoço e agitada noturna. No entanto, podemos analisar os 3 termos na morfologia, na sintaxe e na semântica.

Ao fazer a análise, notamos que a frase foi construída de forma diferente em cada termo coordenado, na sintaxe, na morfologia e até mesmo na semântica. Temos inúmeras formas de se “corrigir” isso, considerando a pluralidade de opções gramaticais que existem. No entanto, ainda não podemos dizer que tal frase está incorreta também.

É apenas no paralelismo que isso está em desacordo.

A relação e sequência simétrica do texto, seja em seu aspecto morfossintático, seja semântico, é a característica do paralelismo onde estabelece nexo entre textos no plano linguístico, isto é, por meio dos elementos de coesão e coerência formalizados na escrita. Não se trata necessariamente de uma regra da gramática, e sim de uma diretriz de ordem estilística.

Façamos um pequeno exercício com a frase anterior. Eu começo:

“Eu gosto de treinar de manhã, de ler de tarde e de agitar de noite.”

Como as preposições da coordenação do objeto indireto são iguais, posso fazer elipse deles também:

"Eu gosto de treinar de manhã, ler de tarde e agitar de noite.”

Fiz então uma equiparação morfossintática dos conectivos, dos objetos indiretos transformados em verbo no infinitivo e dos indicadores temporais transformados em locução adverbial, obtendo então uma frase com paralelismo.

Elabore você também uma possível correção para o texto de exemplo. Leve em consideração todo o seu conhecimento em morfologia e sintaxe para isso.

O objetivo do paralelismo é facilitar a leitura e a interpretação do texto, através de uma construção lógica e sequencial, levando em conta a progressão e uniformidade das funções morfossintáticas e valores semânticos. Não entendeu ainda? Vou simplificar. Veja a sequência numérica abaixo:

2 4 6 8 ?

Qual número cabe na interrogação?

Aposto que diria o número “10”. Essa é uma resposta lógica, porém não ofereci nenhuma condição e nenhuma regra que diga qual número deve caber ali. Você apenas olhou para os outros números e supôs que existia uma sequência lógica que definisse qual seria o próximo valor. No entanto, a resposta poderia ser assim:

2 4 6 8 5

Você esperava por um 10, e o que veio foi um 5. Essa resposta estaria errada? Não. Não tem nenhuma regra dizendo como deveria ser essa sequência. O número “5” cabe ali. Tá cabendo, não vê?

Isso é o que acontece com textos sem paralelismo. Pela gramática, está correta, mas acaba quebrando uma sequência lógica dos termos participantes do texto, causando um “certo desconforto” e até um “entrave” por isso. A quebra da lógica poderia ser até no meio:

2 4 1 8 10

A sensação causada continua a mesma. Sempre que há essa quebra de simetria, gera-se uma reação indesejada quanto à expectativa. Em uma frase curta, fica bem denotada essa situação:

Minha rotina é: estudar, trabalhar, comida e dormir.”

Do nada me aparece uma palavra quebrando a lógica da sequência. Gramaticalmente está errado? Não, não está. Mas podemos simplesmente escrever melhor. Sim, o paralelismo é utilizado para a melhoria da escrita, não para a escrita correta na norma culta, até porque a frase acima está correta na norma culta. Vamos “corrigir”:

“Minha rotina é: estudar, trabalhar, comer e dormir.”

O paralelismo está muito ligado à dinâmica psicológica de como uma pessoa lê um texto. Quanto maior for o nível de instrução de uma pessoa, maior vai ser a quantidade de predição feita por ela, isto é, por já ter lido tantos textos consegue prever as palavras que viriam a seguir, ou ao menos os tipos de palavras.

Isso, na verdade, não é nenhum super poder. O teclado digital dos smartphones já fazem isso constantemente da mesma forma como nossos cérebros fazem. Inclusive, em 2017, Sara Bezerra dos Santos Ribeiro publicou pela Universidade Federal do Rio de Janeiro um estudo em que mostrou que pessoas com diferentes níveis de instrução lêem textos de forma diferente.

Logo, um texto fácil de se ler é um texto em que é entregue o que o leitor espera, em termos morfológicos, sintáticos e semânticos. Enquanto que frases formadas sem um paralelismo necessitam do leitor um chaveamento constante a cada novo termo apresentado nas orações em cadeia, frases com paralelismo são cumulativas em sentido e significado.

Outros exemplos de paralelismo:

  • Sem paralelismo: “Pedro viu uma ave colorida e que cantava.”
  • Com paralelismo: “Pedro viu uma ave colorida e agitada.”
  • Sem paralelismo: “O exército do Império enfrentou o Reino dos Demônios por eras.”
  • Com paralelismo: “Os soldados do Império enfrentaram os guerreiros do Reino dos Demônios por eras.”

Espero que tenha entendido sobre o paralelismo. Caso queira saber mais, existem inúmeros artigos na internet tratando sobre o assunto. Agora vamos ver como aplicamos o paralelismo na coordenação assindética.

Coordenação assindética por paralelismo sintático simples

Essa aqui também pode ser chamada de coordenação anafórica, visto que a anáfora é a técnica utilizada aqui bem comumente. Veja:

Eu quero me esquecer de quem eu sou, quero me lembrar de quem eu fui.

Retirei uma parte do outro exemplo, dessa vez, com apenas 1 oração principal e outra coordenada, sendo as outras subordinadas. Essa não é uma assindética prototípica, mas é possível ser feita por possuírem as mesmas palavras iniciando as orações, com uma pequena elipse anafórica (em que suprime palavra repetida) do sujeito, e ainda com termos seguintes com funções sintáticas e morfológicas iguais ou semelhantes.

O paralelismo sintático entre as duas orações acaba por permitir que 2 frases sejam ditas em uma única frase, aproveitando-se dos mesmos termos que uma frase compartilha com a outra. Perceba também a simetria das palavras que compõem cada oração.

Eu repeti o verbo “quero”, mas também pode ser elipsada, assim como a conjunção que foi.

“Eu quero me esquecer de quem eu sou, me lembrar de quem eu fui.”

Subentende-se que há o mesmo verbo elipsado ali. Isso também é uma técnica de elipse bem utilizada em orações coordenadas sindéticas, mas é necessário que na assindética as duas frases formadas sejam semelhantes, de preferência uma anáfora, repetindo exatamente o mesmo início e mudando um pouco o final.

É possível fazer elipse até o ponto em que se mantenha somente 1 palavra igual no começo da oração coordenada em relação à oração principal. Vamos ver outros exemplos.

Eu me preparei para o que estaria por vir, me preparei para a minha morte.
Quando acordei, eu estava bem, estava sóbrio.

Lembram do que falei sobre os adjuntos adverbiais traidores? Aqui podemos quebrar essa regra relacionando-o a duas orações de forma legítima. Podemos escrever assim também:

“Estava sóbrio, quando acordei, estava bem.”

Isso pode ser feito quando a ligação entre as duas orações com o adjunto adverbial é verdadeira. Ele tanto estava sóbrio como também estava bem quando acordou.

É preferível que a coordenação assindética de duas orações com um adjunto adverbial seja feito com o adjunto iniciando a frase, ocorrendo uma coordenação aditiva com elipse da conjunção em seguida da primeira oração, ou seja, uma assindética prototípica. Assim fica bem fluída.

Na forma como coloquei acima, a frase fica melhor pontuada com ponto e vírgula:

“Estava sóbrio, quando acordei; estava bem.”

Em se tratando de utilizar o mesmo verbo nas duas orações, zeugma é uma técnica bem empregada no paralelismo sintático também.

Ele gostava de macarrão; ela, de salada.

Dessa forma ainda ficam paralelos pela zeugma. Vamos ver agora sobre o paralelismo semântico.

Coordenação assindética por paralelismo semântico

O paralelismo semântico visa alinhar as ideias apresentadas pelas palavras coordenadas na frase. Algo que podemos fazer com isso é ampliar a análise da semântica para uma oração toda. Vamos ver um exemplo:

Eu esqueci o que ia dizer; me sumiram todas as palavras.
Eu esqueci o que ia dizer; disfarcei com outro assunto.

No primeiro exemplo temos uma equivalência de significado entre as duas orações da frase, ambas relativas ao esquecimento. Já no segundo temos uma ação sequencial, não tendo um paralelismo semântico.

O paralelismo semântico em coordenação assindética pode ocorrer quando a oração coordenada possui o mesmo significado, ou bem semelhante, da oração principal, não necessitando que possuam os mesmos termos. Pode ser também uma explicação do que a oração principal significa.

  • “Eu não estava sozinha; os lobos me acompanhavam.”
  • “A paisagem era bonita; havia flores por todo lado.”
  • “Ele se esquivou do meu ataque; desperdicei uma chance.”

É uma estrutura semelhante ao de um aposto de oração. Como não há paralelismo morfossintático, no paralelismo somente semântico acabamos por delimitar as duas orações com o ponto e vírgula (;) mesmo, ou seja, a relação entre as duas frases é compreensível sem a conjunção, mas não é possível a união fonética; falta palavras com o mesmo som pra isso.

Saindo dos paralelismos simples, outra forma de assindética é o espelhamento adversativo.

Coordenação assindética por espelhamento adversativo

Você não é uma pessoa má, é uma pessoa boa.”

Eu até diria que este seria o sexto tipo de oração correlata, sendo adversativa, mas, como não achei ninguém falando sobre isso, vou me abster de definir qualquer coisa, até porque para ser correlata, essas orações deveriam ser inseparáveis sem uma pequena edição, e não é verdade nesse caso.

Você não é uma pessoa má.
(Você) É uma pessoa boa.

Viu, podem se separar, mas unidas formam um único sentido, inclusive se aproximando do conceito de antítese. Então, vou pegar o conceito das orações correlatas e dizer que esta construção de assindética possui um par correlato “não (verbo)… (verbo)”, sendo (verbo) iguais.

Eu não corri devagar, corri depressa.
Ele não entregou ontem, entregou hoje.

As orações podem ser invertidas, sem problemas:

Eu corri depressa, não corri devagar.
Ele entregou hoje, não entregou ontem.

Na forma de zeugma, não precisamos do ponto e vírgula nesse caso:

Eu corri depressa, não devagar.
Ele entregou hoje, não ontem.

Quando a oração negativa estiver iniciando a frase, não é possível aplicar zeugma:

Eu não corri devagar, depressa.
Ele não entregou ontem, hoje.

Assim só vai ter outro significado a frase, e não é o que esperamos que aconteça.

O espelhamento adversativo pode ser feito quando os verbos são antônimos também.

Ele não caiu do penhasco, voou para os céus.
Eu não esqueço seu aniversário, lembro todo dia.

O espelhamento adversativo é na verdade um tipo especial de coordenação assindética por paralelismo sintático. Também existe outro tipo especial que é o espelhamento sintático.

Coordenação assindética por espelhamento sintático

Esse pode ser chamado de também de coordenação assindética por paralelismo sintático perfeito. (O espelhamento adversativo é semi-perfeito por causa do advérbio “não”, e também porque permite uma complementação verbal diferente.) Vejamos:

Eu jogava bola na rua, ela lia livros em casa.

É possível a assindética nesse caso por possuírem, as duas orações, os mesmos termos de oração com a mesma ordem, apenas com palavras diferentes, mas também morfologicamente equivalentes. Também se nota um paralelismo temporal, em que as duas ações ocorrem ao mesmo tempo.

Outra técnica que vou relatar aqui é sobre a assindética por assonância.

Coordenação assindética por assonância

As orações coordenadas assindéticas, na verdade, levam muito em consideração a sonoridade da frase para que possa funcionar, ou com a vírgula, ou com o ponto e vírgula.

Levando isso em consideração, podemos formar frases de 2 orações apenas, não sendo paralelas e nem espelhadas (talvez um pouco de espelhamento), caso utilizemos a assonância, em que ocorre uma repetição do final da palavra.

“Bebia o pássaro feliz, da pia saltava no ar.”

Isso é uma das técnicas estilísticas, a assonância mesmo, que permite pela sonoridade a coordenação entre as duas orações sem o uso de conectivo. As coordenações assindéticas por paralelismo sintático se aproveitam dessa mecânica também para manter a fluidez da leitura. No entanto, a estilística só permite o assíndeto pela forma poética da assonância.

Sim, a coordenação assindética por assonância é coisa de poeta. É permitido utilizar como forma de prosa poética, mas não abuse, por favor. Vamos ver outros exemplos.

  • “Navegarei pelos 7 mares, conquistarei os 5 continentes.”
  • “Chegará muito tarde, perderá a sessão.”
  • “Sentava no banco, olhava as pessoas.”
  • “Tinha a Ana 7 namorados, vinha cada um em um dia da semana.”

O paralelismo sintático é relevante aqui também, observando a configuração morfológica do verbo, como nos exemplos acima.

A assonância é muito utilizada também no marketing, em anúncios, utilizando frases simples, muitas vezes só com o verbo.

  • “Pague 2, leve 3”
  • “Comprou, levou”

Vamos falar por último de uma técnica muito utilizada também que já demonstrei anteriormente, mas não disse o nome.

Coordenação assindética por elipse de conectivo

Kamo! Kamo! É nessa aqui que posso elipsar qualquer conectivo pra fazer assindética?

NÃO! De jeito nenhum! Existem "alguns" que funcionam. Vamos ver alguns exemplos:

Pudesse eu elipsar qualquer conectivo, estaria feliz.
Falei que podia elipsar, tu já veio afobado querendo elipsar tudo.

As assindéticas acima, feitas na primeira oração, só é possível pela anteposição.

A primeira é uma subordinação adverbial condicional na verdade, ou seja, justaposição, mas vale a pena citar aqui. Foi feito uma elipse da partícula "se", que seria o conectivo dessa oração "Pudesse eu elipsar qualquer conectivo".

Uma oração desenvolvida seria "Se eu pudesse elipsar qualquer conectivo". Perceba que o verbo foi anteposto à frente do sujeito na oração com o conectivo elipsado.

Já no segundo temos uma ambiguidade válida pelo uso comum linguístico. A primeira oração pode tanto ser uma oração coordenada explicativa com a conjunção "porque" elipsado ou uma oração subordinada adverbial temporal com a conjunção "quando" elipsado.

A condição acima se torna válida porque é simplesmente as duas coisas. A oração "Falei que podia elipsar", é tanto a explicação quanto o indicador de tempo de quando a ação da oração "tu já veio afobado querendo elipsar tudo" foi executada.

Dá pra elipsar, portanto, para justamente causar essa ambiguidade de propósito. É uma coordenação "temporal-explicativo". (Novamente estou inventando termo aqui, mas é muito comum a utilização dessa construção)

É bem fácil fazer isso com frases explicativas em que a ação explicativa acontece no tempo razoávelmente próximo ao da oração principal.

  • (Porque/Quando) Empanturrou-se no almoço, ele foi já dormir como uma pedra.
  • (Porque/Quando) Disse que podia esperar, Kamo atrasou o quanto pôde.
  • (Porque/Quando) Falei que ia parar de comer, meu irmão perguntou "Quer hambúrguer?".

Os verbos sempre iniciam a oração assindética temporal-explicativa.

As orações coordenadas assindéticas é um campo da gramática muito pouco tipificado, mas que são aplicadas as formas utilizadas no dia a dia. Por isso, é possível encontrar mais formas de escrever tais orações de forma correta que eu ainda não tenha estudado.

Os que relacionei aqui foram: prototípica (polissíndeto), paralelismo sintático (anáfora), paralelismo semântico, espelhamento adversativo, espelhamento sintático, assonância e elipse.

E eu vou ficando por aqui. Agradeço muito por ter lido, e, por favor, comente caso você tenha achado outras formas de assindética que podemos utilizar.

Escrito por: Kamo Kronner

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