Como classifico a idade da minha história?

Muitos autores, quando vão atrás de ler os requisitos para se publicar uma obra em algum site, se deparam com frases parecidas com essa:

“Não aceitamos histórias +18”

ou

“Avise se sua história é +18”

É bem comum que muitas pessoas, ao se deparar com o número 18, já pensem em atos impróprios de relacionamentos afetivos (não, por favor, não me dê rate pelo S-word!). O problema é quando uma pessoa toma rate (ter sua obra classificada como +18) sem ter escrito uma menção sequer sobre isso.

Aqui, neste artigo, vou explicar de cabo a rabo (rabo de animais, ok) sobre a classificação indicativa em livros e webnovels, para vocês entenderem de uma vez por todas.

Por que devemos classificar?

Pra começo de conversa, há um certo mistério acerca da classificação indicativa em obras literárias. Classificação indicativa, classificação etária ou age rating (termo em inglês para classficiação/avaliação etária) são todas “informação prestada às famílias sobre a faixa etária para a qual obras audiovisuais não se recomendam”.

Essa definição anterior vem do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Pois bem, em termos de legislação não há nenhuma menção específica sobre a classificação de obras literárias. Somente se classificam “produtos para televisão, mercado de cinema e vídeo, jogos eletrônicos, aplicativos e jogos de interpretação (RPG)”, por interpretação e derivação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Essa informação e outras podem ser encontradas no site do Ministério: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/seus-direitos/classificacao-1

Houve, no entanto, tentativa de incluir a literatura como obra artística classificável em 2011 (PL 1936/2011), mas o projeto foi rejeitado pela comissão que o avaliou. De lá até hoje não houve nenhum projeto que envolvesse especificamente a classificação de obras literárias, segundo minhas pesquisas.

O que nos acomete, então, em termos legais, é uma instrução geral presente na Constituição Federal, que como cidadãos devemos todos respeitar:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

É, portanto, nosso dever, como escritores, proteger crianças e adolescentes de conteúdos que possam ser considerados nocivos à saúde mental deles ou que influenciem comportamentos inadequados.

Vale ressaltar que a classificação não é de forma alguma uma censura, visto que a produção e publicação da obra não é proibida de nenhuma forma, apenas restringindo a faixa etária de para quem poderá ser vendido ou mostrado.

Isso quer dizer que você pode produzir qualquer tipo de conteúdo, mas deve também ter a sensibilidade de avisar pessoas e responsáveis sobre o conteúdo que pode encontrar em sua obra, e estes julgam se vão consumir ou permitir que consuma.

Adolescentes podem ler histórias infantis?

Essa pergunta parece idiota, já que como que um adolescente não poderia ler um conteúdo seguro para crianças? Uma questão besta. Mas já parou para pensar no contrário? Por que uma criança não pode ler uma história para adolescentes?

Novamente retornamos à questão do mito da classificação. Muitos consideram que a classificação indicativa também indica o público que irá consumir: uma falácia.

A classificação indicativa apenas define a idade mínima para consumo, não indicando a idade máxima. Ou seja, histórias +12 são para pessoas acima de 12 anos, não para pessoas de 12 anos. Não é porque uma pessoa tem 18 anos que não poderia ler uma história +10, por exemplo.

Autores que querem publicar uma história para um público adulto não necessariamente precisa incluir elementos considerados +18 para alcançar esse público. Você pode construir uma narrativa profunda em que só um adulto entenderia sem ter que inserir sexo, violência e drogas. Isso é tão idiota quanto se obrigar a colocar algum tipo de álcool na comida só porque é pra uma pessoa adulta.

No mercado de publicações há também a classificação de públicos, definidos como infantil, infanto-juvenil, juvenil, entre outros. Essa é uma classificação feita pela iniciativa privada para a organização das próprias editoras, distribuidoras e livrarias, e com isso também estabelecer perfis de consumo.

Como disse anteriormente, um adulto pode querer ler uma história classificada como infantil tranquilamente, um fenômeno que ficou muito conhecido com a obra O Pequeno Príncipe.

Como devo classificar a minha história?

Espero que tenha ficado claro que não existe uma obrigação legal em se classificar a história; você não será preso ou terá que pagar uma multa caso não faça. A classificação indicativa em obras literárias é hoje feita por iniciativa dos próprios cidadãos e empresas.

Dito isso, não há uma regra imposta pelo governo no que se refere à classificação. Todos se baseiam em regras parecidas ou de outros países para realizarmos essa classificação.

Por esse motivo algumas podem reclamar: “Você disse que minha história é +14, mas eu tomei rate +18 no site X!”

Justamente por não existir uma regra geral é que é seu dever procurar saber a regra de quem pode classificar a sua obra: a regra do site/editora. Sinto muito, mas eu não conheço todas as leis de todos os países, muito menos a regra de cada site de webnovel e editoras de livro.

Felizmente os sites e editoras do Brasil se baseiam na classificação elaborada pelo Ministério da Justiça, com pequenas mudanças. Então vou apresentar aqui quais são esses critérios em que eles se baseiam.

A Classificação Indicativa

No Brasil, 3 áreas temáticas são analisadas para classificar uma obra:

“sexo e nudez”, “violência” e “drogas”

Os critérios que vou apresentar são referentes a obras audiovisuais, portanto vários critérios podem não ter efeito em obra literária, mas que não invalidam uma interpretação que possa ser feita para o nosso ramo.

Para cada área temática há as classificações Livre, NR10, NR12, NR14, NR16 e NR18 (NR: Não Recomendado). A classificação se dará pela área que atingir a maior classificação, ou seja, se uma obra obtiver Livre em “sexo e nudez”, Livre em “drogas”, mas NR18 em “violência”, a obra é classificada como NR18 (Não recomendado para menores de 18 anos).

Seguindo essa lógica, elaborei a tabela abaixo:

Livre
Sexo e Nudez 1.1. Nudez não erótica
Violência 1.1. Arma sem violência
1.2. Morte sem violência
1.3. Ossada ou esqueleto sem violência
1.4. Violência fantasiosa
Drogas 1.1. Consumo moderado ou insinuado de droga lícita
Não Recomendado para menores de 10 anos (NR10)
Sexo e Nudez 2.1. Conteúdo educativo sobre sexo
Violência 2.1. Angústia
2.2. Arma com violência
2.3. Ato criminoso sem violência
2.4. Linguagem depreciativa
2.5. Medo ou tensão
2.6. Ossada ou esqueleto com resquício de ato de violência
Drogas 2.1. Descrição do consumo de droga lícita
2.2. Discussão sobre o tema drogas
2.3. Uso medicinal de droga ilícita
Não Recomendado para menores de 12 anos (NR12)
Sexo e Nudez 3.1. Apelo sexual
3.2. Carícia sexual
3.3. Insinuação sexual
3.4. Linguagem chula
3.5. Linguagem de conteúdo sexual
3.6. Masturbação
3.7. Nudez velada
3.8. Simulação de sexo
Violência 3.1. Agressão verbal
3.2. Assédio sexual
3.3. Ato violento
3.4. Ato violento contra animal
3.5. Bullying
3.6. Descrição de violência
3.7. Exposição ao perigo
3.8. Exposição de cadáver
3.9. Exposição de pessoa em situação constrangedora ou degradante
3.10. Lesão corporal
3.11. Morte derivada de ato herói
3.12. Morte natural ou acidental com dor ou violência
3.13. Obscenidade
3.14. Presença de sangue
3.15. Sofrimento da vítima
3.16. Supervalorização da beleza física
3.17. Supervalorização do consumo
3.18. Violência psicológica
Drogas 3.1. Consumo de droga lícita
3.2. Consumo irregular de medicamento
3.3. Discussão sobre legalização de droga ilícita
3.4. Indução ao consumo de droga lícita
3.5. Menção a droga ilícita
Não Recomendado para menores de 14 anos (NR14)
Sexo e Nudez 4.1. Erotização
4.2. Nudez
4.3. Prostituição
4.4. Relação sexual
4.5. Vulgaridade
Violência 4.1. Aborto
4.2. Estigma ou preconceito
4.3. Eutanásia
4.4. Exploração sexual
4.5. Morte intencional
4.6. Pena de morte
Drogas 4.1. Consumo insinuado de droga ilícita
4.2. Descrição do consumo ou tráfico de droga ilícita
Não Recomendado para menores de 16 anos (NR16)
Sexo e Nudez 5.1. Relação sexual intensa
Violência 5.1. Ato de pedofilia
5.2. Crime de ódio
5.3. Estupro ou coação sexual
5.4. Mutilação
5.5. Suicídio
5.6. Tortura
5.7. Violência gratuita ou banalização da violência
Drogas 5.1. Consumo de droga ilícita
5.2. Indução ao consumo de droga ilícita
5.3. Produção ou tráfico de droga ilícita
Não Recomendado para menores de 18 anos (NR18)
Sexo e Nudez 6.1. Sexo explícito
6.2. Situação sexual complexa ou de forte impacto
Violência 6.1. Apologia à violência
6.2. Crueldade
Drogas 6.1. Apologia ao uso de droga ilícita
Fonte: ClassInd (4ª Edição 2021)

Segue também a tabela utilizada em rádios.

Não Recomendado para menores de 10 anos (NR10)
Sexo e Nudez 1.1. Conteúdo educativo sobre sexo
Violência 1.1. Angústia
1.2. Descrição de ato criminoso sem violência
1.3. Linguagem depreciativa
1.4. Medo ou tensão
Drogas 1.1. Descrição do consumo de droga lícita
1.2. Discussão sobre o tema drogas
Não Recomendado para menores de 12 anos (NR12)
Sexo e Nudez 2.1. Apelo sexual
2.2. Linguagem chula
2.3. Linguagem de conteúdo sexual
2.4. Simulação de sexo
Violência 2.1. Agressão verbal
2.2. Assédio sexual
2.3. Descrição ou identificação de violência
2.4. Exposição de pessoa em situação constrangedora ou degradante
2.5. Supervalorização da beleza física
2.6. Supervalorização do consumo
2.7. Violência psicológica
Drogas 2.1. Discussão sobre legalização de droga ilícita
2.2. Indução ao consumo de droga lícita
2.3. Menção a droga ilícita
Não Recomendado para menores de 14 anos (NR14)
Sexo e Nudez 3.1. Erotização
3.2. Vulgaridade
Violência 3.1. Estigma ou preconceito
Drogas 3.1. Descrição do consumo ou tráfico de droga ilícita
Não Recomendado para menores de 16 anos (NR16)
Sexo e Nudez -
Violência 4.1. Crime de ódio
Drogas 4.1. Indução ao consumo de droga ilícita
Não Recomendado para menores de 18 anos (NR18)
Sexo e Nudez -
Violência 5.1. Apologia à violência
Drogas 5.1. Apologia ao uso de droga ilícita
Fonte: ClassInd (4ª Edição 2021)

Como não temos classificação específica para a literatura, a classificação em conteúdo de rádio é a que mais se aproxima do nosso ramo, visto a falta de elemento visual (exceto em casos de ilustrações feitas para a obra).

Você pode procurar o detalhamento de tais critérios no link já mencionado anteriormente ou aqui. A primeira tabela foi retirada dos conteúdos do Guia Prático de Audiovisual e a segunda do Guia Prático para Rádio.

Reitero que os sites e editores apenas podem se basear nessa classificação, mas é de inteira liberdade deles elaborar seus próprios critérios. Um site pode considerar erotização e vulgaridade como +18, enquanto desconsidera qualquer menção a drogas.

É, portanto, responsabilidade do autor consultar os critérios deles, ainda mais se for um site de fora do Brasil, que com certeza não segue essa tabela.

Atenuantes e Agravantes

Ainda dentro da Classificação Indicativa no Brasil, há elementos de avaliação que podem aumentar ou diminuir a classificação. Enquanto os agravantes aumentam a classificação por tornar um conteúdo mais carregado com elementos negativos, os atenuantes diminuem a classificação por tornar a história mais leve.

A atenuação ou agravamento pode ser feito aumentando ou diminuindo em 2 anos a classificação, geralmente. Pode ocorrer de um agravante sério elevar a classificação diretamente para o NR18, também. São casos e casos.

Listo abaixo com livre interpretação minha para o nosso ramo:

Atenuantes

  • Composição de texto: o conteúdo classificável é censurado, atenuado ou eufemizado. Ex: um palavrão é dito com caracteres ilegíveis.
  • Conteúdo positivo: o conteúdo classificável é utilizado na obra com intuito de conscientização. Ex: menção de drogas ilícitas para desincentivar o uso.
  • Contexto artístico: o conteúdo classificável tem vínculo de autoria externa. Ex: citar texto de um autor conhecido contendo conteúdo classificável.
  • Contexto cômico ou caricato: o conteúdo classificável é apresentado de forma engraçada.
  • Contexto cultural: o conteúdo classificável é associado a rituais, tradições e costumes.
  • Contexto esportivo: o conteúdo classificável está vinculado a um contexto esportivo. Exemplo: troca de golpes em uma luta esportiva.
  • Contexto fantasioso: o conteúdo classificável é claramente impraticável no mundo real.
  • Contexto histórico: o conteúdo classificável é um acontecimento real e devidamente contextualizado.
  • Contexto irônico: o conteúdo classificável tem sentido oposto. Exemplo: dois personagens se xingam como cumprimento, sem intenção de ofender.
  • Contraponto: o conteúdo classificável é seguido de contexto que desestimula sua prática.
  • Frequência: o conteúdo classificável é apresentado de forma pontual.
  • Insinuação: o conteúdo classificável não é apresentado de fato, apenas podendo ser percebido pelos diálogos, narrações ou contextos.
  • Motivação: o conteúdo classificável é justificável ou espontâneo, ausente de má intenção. Exemplo: personagem grita um palavrão ao ficar feliz com algum acontecimento.
  • Relevância: o conteúdo classificável não é importante ou relevante. Exemplo: personagem vê 2 bêbados trocando socos, mas passa reto.
  • Simulação: o conteúdo classificável parece real para os personagens, mas o leitor sabe que não. Exemplo: morte de um personagem que o leitor sabe que não morreu.

Agravantes

  • Banalização: apresentação de conteúdo cômico ou caricato, que, ao invés de atenuar a cena, dão a sensação de fazerem apologia ou incentivo do ato praticado.
  • Composição de texto: o conteúdo classificável tem um destaque no texto.
  • Conteúdo inadequado com criança ou adolescente: o conteúdo classificável é praticado contra criança ou adolescente.
  • Contexto: o conteúdo classificável está inserido em um contexto que ressalta o impacto, sensação ou intensidade. Exemplo: violência contra um idoso.
  • Frequência: o conteúdo classificável é apresentado várias vezes.
  • Motivação: o conteúdo classificável é praticado por motivo torpe ou fútil, como revolta, vingança ou interesse.
  • Relevância: o conteúdo classificável é importante ou relevante. Exemplo: morte de um dos personagens principais.
  • Valorização de conteúdo negativo: o conteúdo classificável negativo é seguido de contexto que incentiva e valoriza sua prática.

Conteúdos proibidos

Eu disse anteriormente que não existe expressamente uma proibição com relação a qualquer tipo de conteúdo, mas… sabemos que existe um limite para tudo.

Se por um lado o governo não proíbe a produção de qualquer tipo de conteúdo, por outro há crimes e contravenções penais que um autor pode infringir, ou que ao menos as editoras podem recusar de publicar.

Desaconselho fortemente assuntos como:

  • Apologia ao nazismo
  • Apologia às parafilias criminosas, como zoofilia, necrofilia e pedofilia
  • Apologia ao crime de ódio, preconceito e violência contra grupos protegidos por lei

No que se refere à apologia, só é classificável quando um personagem faz a apologia. Quando a obra é que valoriza tais conteúdos negativos, é problema para o próprio autor, considerando os agravantes já descritos acima.

Fora do Brasil

O Brasil é um dos poucos países que têm um órgão governamental participando da classificação de conteúdo. Na maioria dos países em que pesquisei, há algum tipo de associação da indústria regrando sobre o assunto ou as próprias editoras e distribuidoras que fazem as próprias regras.

Em minha pesquisa, não encontrei 1 país sequer que possui regras para classificação de obras literárias. Parece que é um taboo pra qualquer governo se meter em livros. Nem nos EUAs, China, Europa, Japão ou Coréia.

Aliás, mangás e quadrinhos são classificados, sim, por causa das imagens. No entanto, não há uma organização sequer, que seja centralizada, que classifica obras somente textuais.

Existem, na verdade, algumas organizações que “pontuam” obras totalmente de forma independente. A Common Sense Media dos EUAs, por exemplo, rastreia obras conhecidas para informar aos leitores e responsáveis os tipos de conteúdos presentes. Essa classificação não é vinculada diretamente à obra, como um selo na capa, mas é de consulta pública.

Nos países pesquisados, cada editora tem total liberdade de classificar a obra como quiser. Como eu já disse, não é liberdade do autor, é da editora. Pela ausência de regulamentação, a editora pode, por exemplo, se recusar a publicar se o autor não aceitar a classificação feita por ela.

Então, a realidade do Brasil com relação a esse assunto não é muito diferente de outros países, mudando apenas o nivelamento de cada elemento classificável, além de adição ou remoção de alguns.

Algumas editoras no Japão, por exemplo, consideram cena de beijo +15 ou até mesmo +18 se for muito acalorada, coisa que nem sequer classificamos no Brasil (só é classificado se for erotizado ou for preparo para sexo). Nos EUAs, se avalia os papéis dos personagens, se tem mais mocinhos do que vilões, e também avalia a representação de diversidade, se tem personagens de várias etnias.

Conclusão

Espero que tenha entendido que você pode ter uma leve noção de como irá se classificar a sua obra através do ClassInd. Isso na verdade vale bastante para que você não tenha surpresas na hora de publicar a sua história.

No entanto, jamais deixe de consultar a editora ou site, e também não tente empurrar o ClassInd na cara deles porque eles também, assim como os autores, não são obrigados a seguir.

O melhor é, portanto, chegarem no comum acordo.

Espero que tenha gostado deste artigo e agradeço muitíssimo por ter lido.

Escrito por: Kamo Kronner

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