Como escrever imersivamente e encarnar seus personagens

Você já leu uma novel em que ficou tão imersivo que se sentiu um só com o narrador?

Desde a primeira página, o autor te faz ter empatia e entender o protagonista, encorajando-o a sentir e viver a jornada pelos olhos do personagem principal. São novels como essas que devoramos em um dia, ou melhor, somos devorados por elas, pelo seu universo e narração, obras nas quais nos sentimos imersos.

Deseja escrever uma história que prenda o leitor? Trabalhar a imersividade é a chave para isso! Mas o que exatamente é essa técnica e como você pode utilizá-la em sua própria escrita? Vamos detalhar tudo o que você precisa saber no artigo de hoje, escritor!

O que exatamente é uma história imersiva?

É uma técnica narrativa na qual, usando da subjetividade, elimina-se a distância entre leitor e narrador personagem. Em outras palavras, a narrativa é moldada por meio dos pensamentos e experiências do narrador. De preferência, sem mudar de narrador com frequência e sem os vícios de linguagem e forma de falar do autor.

A vantagem de escrever dessa forma é levar os leitores a experimentar a história de acordo com a visão de mundo do personagem, o que torna os eventos mais pessoais e cativantes. Graças a capacidade de, por meio dessa técnica, simular a experiência que muitos telespectadores têm ao assistir animes, ela vem se tornando popular.

Vale ressaltar, é possível escrever imersivamente tanto na terceira quanto na primeira pessoa, dependendo do que quer para a sua história. O que define uma história imerssiva, é a subjetividade na narração e o cuidado para evitar marcas de autoria.

Estas últimas são palavras ou frases que tiram os leitores da perspectiva do personagem do ponto de vista, lembrando-os de que há um autor por trás da história. Tais marcas podem ser, por exemplo, dicendi, sentiendi e frases que não soem naturais comparadas a forma como o narrador normalmente se expressa. Dito isso, discutiremos isso com mais detalhes a seguir, não precisa esquentar a cabeça agora.

Como aprender a escrever imersivamente?

Como a intenção desse método é encorajar os leitores a ver o mundo pelos olhos do seu personagem, é fundamental que você o conheça profundamente, quanto melhor o conhecer mais profunda sua narrativa vai se tornar.

Depois de dedicar um tempo para desenvolver seus personagens, existem alguns parâmetros-chave que você deve ter em mente ao trabalhar para dominar essa técnica narrativa:

1. LIMITE O CONHECIMENTO DO SEU PERSONAGEM

O primeiro passo para entender a mente do seu personagem é definir o que ele sabe e não sabe, pois, diferente do autor, o personagem não sabe tudo. Por isso, se há um evento ou informação que quer adicionar a sua história do qual seu personagem não sabe, deve usar, ou de outro ponto de vista, ou encontrar uma forma de dar essa informação ao leitor sem depender do narrador.

2. CORTE PALAVRAS QUE PODEM QUEBRAR A IMERSÃO

Quando você, ao invés de mostrar o que um personagem está experienciando, usa expressões como “ela viu”, “ele pensou" ou “eu senti”, o efeito gerado é de relembrar o leitor de que há um autor por trás de cada palavra.

Por exemplo, veja como a remoção de algumas palavras podem alterar a experiência do leitor:

Pouco imersivo

Por fim, os temores diminuíram e a terra se acalmou. Maggie se perguntou quão ruim tinha sido o terremoto. Ela olhou ao redor e viu as profundas fendas no chão onde o pavimento da estrada tinha rachado. Ela sabia que era pelo menos um terremoto 7.0 na escala Richter.

Imersivo

Por fim, os temores diminuíram e a terra se acalmou. Quão ruim foi esse? Ao redor, rachaduras largas cortavam o pavimento como se a estrada fosse tão macia quanto carne. Apesar do calor, Maggie sentiu um arrepio percorrer seu corpo. Sem nem piscar, ela, abalada pela devastação, sentou.

Observe que o segundo exemplo remove as palavras "se perguntou", "viu" e "sabia", ao mesmo tempo em que adiciona imagens que tornam a narrativa mais pessoal à experiência do personagem.

3. LIMITE O USO DE VERBOS DICENDI

Usados para indicar quem está falando, eles são verbos muito úteis, mas também são palavras que quebram a imersão, por isso o ideal é limitar o seu uso ao mínimo possível.

Certas palavras são comuns ao ponto de se tornarem quase invisíveis para o leitor e pouco afetam a imersão (disse, respondeu e perguntou). No entanto a maioria dos dicendis bem como o uso exacerbado dos mais comuns pode tirar o leitor da história.

Por sorte, limitar o uso desses verbos é fácil. Via de regra, pode simplesmente não usar, deixar o diálogo fluir por si mesmo e, para os momentos em que não está claro quem está falando, usar um dicendi comum.

Por exemplo:

Pouco imersivo

Ela encontrou John na rua. Sangue escorria por sua testa enquanto ele se levantava sobre as pernas trêmulas. — Você está bem? — ela perguntou.
— Estou bem. — John sussurrou fracamente.
— Você não parece bem — ela repreendeu examinando o corte. Só então, a terra mais uma vez começou a se curvar. — Abaixe-se! — ela chorou.

Imersivo

O suspiro de alívio saiu dos lábios dela quando olhou para a extensão da estrada. A poucos passos de distância, John estava de pé, trêmulo, mas vivo. Ela correu.
— Você está bem? — A garota observou com atenção o pequeno corte na testa dele.
— Suave.
Ela franziu a testa. — Você não soa bem. — A voz dele estava tensa e fraca, mas ela não teve tempo de continuar questionando. — Se abaixe. — Ela gritou puxando o homem para perto enquanto a terra começou a tremer mais uma vez.

Vê como é possível remover o dicendi sem perder a clareza?

4. FAÇA O USO MÁXIMO TANTO DO MOSTRAR QUANTO DO CONTAR

Geralmente, eu sinto que a frase “show don’t tell” é mal entendida. Contar é importante e usado com muito mais frequência do que imagina. Essa frase, na verdade, se aplica principalmente quando estamos falando de descrição. Como Chekov disse, “não me diga que a lua está brilhando, me mostre o reflexo da luz em um vidro quebrado.

Mostrar, pelos olhos do seu personagem, o que ele está vendo e sentindo é uma boa forma de aprofundar a voz do seu personagem. O que o fazendeiro notaria e, por conseguinte, descreveria ao, pela primeira vez na vida, entrar em uma cidade como São Paulo é completamente diferente do que alguém que nasceu lá diria.

5. TENHA UM NARRADOR COM VOZ PRÓPRIA

A narrativa subjetiva limita a narrativa ao ponto de vista de um único personagem de cada vez, mas a narrativa subjetiva e encarnar seus personagens são coisas diferentes. Este último afeta profundamente o estilo da prosa de um escritor.

Ao escolher encarnar seu personagem, você está escrevendo de acordo com a visão de mundo dele. Naturalmente, seu vocabulário, suas crenças, seu conhecimento e sua personalidade devem ter um grande impacto na forma como cada linha será escrita. Para saber como fazer isso, deve primeiro desenvolver a voz do seu personagem.

Obs: temos um artigo só sobre esse assunto, sinta-se livre para conferir. Top 5 formas de dar voz ao seu narrador

6. EVITE VOZ PASSIVA

A voz passiva indica que o sujeito da frase está sofrendo a ação ao invés de a realizando. Claro, assim como contar tem seu lugar a voz passiva não é diferente, porém ela pode, algumas vezes, remover a perspectiva do seu narrador.

Use essas sentenças de exemplo:

Os ombros dela foram esmagados pela viga.

Nessa sentença, “ombros” é o sujeito, recebendo a ação de ser quebrado. Por outro lado, invertendo para a voz ativa mantendo a perspectiva do seu personagem temos:

A viga esmagou o ombro dela.

Vê como essa é a forma mais natural? Ela mantém o ponto de vista direto e conciso, o que facilita a imersão do leitor no mundo do seu personagem.

Obs: se quiser saber se está usando voz passiva, coloque “pelo Rose” no final da frase. Caso seja possível, então é voz passiva. Por exemplo: o ombro dela foi esmagado pelo Rose.

7. PENSE ANTES, ESCREVA DEPOIS

Encarnar o seu personagem pode ser uma boa ideia, mas vamos da ênfase no pode. Esse é um estilo narrativo que oferece algumas vantagens, mas também pode não se encaixar com seu estilo de escrita ou com a história que quer contar.

Não faz sentido gastar horas e um esforço imenso tentando dar voz e complexidade ao seu personagem para tentar o encarnar, se você quer escrever uma história sobre a fauna, flora, política e outros trocinhos de um mundo que você inventou.

Ou seja, achar o estilo que mais combina com o que quer contar é fundamental. Por isso pense no que quer contar antes de tentar qualquer coisa nova que aprendeu.

Este artigo foi escrito por Rose Kethen, membro ilustre da Novel Brasil. Eu, Rencmps, fiz apenas a edição. Obrigado por terem lido.

Escrito por: RenCmps

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