Introdução à Construção de Personagens

A literatura como conhecemos, assim como qualquer outro meio artístico de contar uma história, sejam em filmes, desenhos ou jogos, costuma conter três pilares principais para que o andamento de uma obra seja concretizado: mundo, enredo e personagens.

Embora, no fim, todos sejam muito importantes em conjunto, o autor costuma sempre escolher um desses para que seja seu foco principal. Vemos por aí muitas histórias com maior foco em desenvolvimento de mundos, principalmente aqueles de alta fantasia, criados nas minúcias para entreterem e serem, como o próprio gênero promete, fantásticos; vemos histórias focadas em enredo, em princípio, aquelas de mistério e suspense, onde o espectador precisa ser preso pelo andamento da trama a todo custo.

E, por fim, chegamos às obras com foco nos personagens; talvez a mais interessante dentre todas as três. Afinal, com personagens ruins, nenhuma história focada em mundo ou enredo pode ser totalmente atrativa; eles que movem a história e, ao mesmo tempo, exploram o mundo criado. É possível se atrever a dizer que: sem personagens, uma obra não caminha.

Muitos podem achar bobagem, mas essa é a verdade. Para boa parte dos telespectadores, mais vale uma obra com personagens cativantes e coesos do que uma obra de mundos e enredos super bem elaborados, porém carentes de indivíduos que possam fazer isso tudo funcionar da devida forma; personagens são a principal engrenagem de uma obra criativa.

Feita essa breve introdução, o artigo a seguir se propõe a destrinchar um pouco mais a fundo sobre a construção de personagens; inclusive o que deve ser importante abordar e desenvolver, pela opinião do autor que vos fala.

Nesse caso, vamos começar do... começo!

Afinal, como podemos desenvolver um personagem?

PASSOS INICIAIS DE UMA BOA CONSTRUÇÃO

1 – Pensar/Determinar objetivos e funções:

Válido para quaisquer gêneros da ficção, é sempre importante definir a função da personagem naquele mundo criado, tal como seus objetivos que possam impactar ou não em seu desenvolvimento de mundo e/ou enredo. O pensamento sobre o que tal personagem pode ou não fazer, no que ele vai influir no prosseguimento da história (sendo um personagem principal/protagonista ou não) ajuda a tornar a construção bem mais sólida, assim como a inserção do respectivo em determinada obra.

2 – Pilares da caracterização:

Após pensar num molde para seu personagem, vem a etapa mais básica (que pode vir a se tornar um pouco demorada, a depender do nível de profundidade adotado) que é a de caracterizar sua personagem. Aqui, você começará a dar vida aos pensamentos determinados no passo acima; basicamente, criará um conceito de personagem onde poderá dar início ao processo de criação definitivo.

Nele, o autor deve pensar em como irá guiar a percepção do leitor para que seja desenvolvida uma determinada impressão e opinião sobre eles, através de pilares de exposição, como background personalidades, características físicas e a identidade da personagem, relacionamentos, detalhes técnicos e até triviadlidades.

3 – Caracterização de background:

A definição de um background (literalmente “plano de fundo”) ajuda a aprofundar tanto o autor quanto o leitor na personagem em questão. O background de um personagem tem muito a ver com detalhes que podem não ser passados ao leitor nas primícias de sua aparição; um grande exemplo disso, é sobre uma personagem que possui motivações acarretadas por acontecimentos passados antes do início da obra. Ou então, personagens que possuem traumas e outros tipos de problemas acarretados por ocorrências passadas. A definição de um background lhe ajuda a entender melhor a personagem como autor, o que lhe permite trabalhar nuances cada vez mais profundas com o mesmo.

4 – Caracterização de personalidade e identidade:

A definição de personalidade talvez seja uma das que mais corre o risco de ficar “forçada”. Por isso, é recomendado que se defina um background primeiro; com essa etapa criada e bem definida, o autor pode ter maior discernimento quanto a definição de uma personalidade para a personagem. Afinal, essa pode ser moldada em ligação direta com o passado da respectiva. A definição de personalidade é, de certo, aquela que mais trará vida à personagem. Ela moldará suas ações, trejeitos, manias e formas de como lidar com diversas situações. Suas motivações, inclusive, podem ser incluídas nesse pacote. Isso sem contar o que faz uma personagem ser tão única: a voz própria.

Já a identidade traz em nível mais assíduo suas qualidades e defeitos, os rótulos utilizados para descrever quem ou não o personagem é, assim como as referências que são consideradas relevantes a fim de julgar o valor deles como pessoas. Um senso de pertencimento a grupos sociais e, simultaneamente, um senso de distinção que os torna seres humanos individuais, únicos e especiais, é originado através dessas múltiplas identidades. Introvertido, extrovertido, atraente, inteligente, paciente, irritadiço, criativo, exibido etc. A identidade é desenvolvida a partir dos tipos de validação e/ou repreensão que as personagens recebem ao longo dos anos, o significado que dão a suas memórias e experiências passadas, dentro do contexto da vida presente e dos desejos para o futuro.

5 – Caracterização de relacionamentos:

Pessoas precisam de pessoas, já dizia o autor que vos fala. Provavelmente o autor possa decidir que uma personagem seja uma espécie de “lobo solitário”, porém, vez ou outra, ele há de interagir com algo ou alguém. Relacionamentos são peça chave para e evolução (ou involução) da personagem. Com quem ele costuma passar o tempo? Possui familiares que gosta ou odeia? Possui interesses amorosos? Sente-se mais confortável na presença de algum amigo? Tudo isso ajuda, e muito, a moldar as características fundamentais no trabalho da personagem.

6 – Caracterização de detalhes técnicos:

Essa parte não é obrigatória, porém ajuda muito a fazer com que o autor tenha mais proximidade com suas personagens. Detalhes técnicos vão de muitas etapas selecionáveis pelo criador: desde data de nascimento, altura, peso, idade, epiteto, entre outros. Esses detalhes podem ser mencionados vez ou outra na história (de preferência, através de diálogos espontâneos entre as personagens), porém não farão tanta diferença para o leitor. Estão ali mais para criar um embasamento mais realista da personagem em si.

7 – Caracterização de trivialidades:

Esse tópico e menos obrigatório ainda, porém pode acarretar bons exercícios mentais e, inclusive, também ajuda a aprofundar ainda mais a personagem numa obra e lhe torna tão interessante quanto. O que sua personagem gosta de comer? O que ela veste? Como costuma lidar com climas frios e quentes? Quais são seus passatempos favoritos? Qual profissão exerceria num mundo realista (para casos de obras de fantasia) ou qual classe melhor se adaptaria num mundo fantástico (para casos de obras mais realistas)? Esses tipos de perguntas e respostas pode ser um grande trunfo para que o criador obtenha um bom domínio da personagem, a partir de diversas nuances, o que lhe abre um leque de possibilidades para trabalhá-lo em n situações.

CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS

Finalizado o passo a passo básico de uma construção de personagem, iremos nos aprofundar um pouco mais em suas características mais “trabalháveis”, caso assim possamos definir.

Vamos, portanto, seguir algumas definições mais destrinchadas de diversos temas nos quais as personagens se inserem.

1 – Funções:

As funções, como o próprio termo já diz, são as atividades naturais desempenhadas pelas personagens em narrativa. As divisões básicas costumam ser:

Protagonista: A personagem principal em torno da qual se constrói toda a trama. Essa pode ser dividida em herói ou anti-herói;

  • o Herói: É uma figura arquetípica que reúne, em si, os atributos necessários para superar um ou mais determinados problemas de dimensões épicas.
  • o Anti-herói: São personagens que não possuem as virtudes tradicionalmente impostas aos heróis. Ele pode ser considerado como presente numa área cinzenta entre herói e vilão, ou então, costuma ser um indivíduo que não pende para nenhum dos dois lados. Ele cativa, apesar de possuir muito mais “deslizes”.

Antagonista: A personagem que não necessariamente é a vilã, mas sim, que cria um clima de tensão e conflito em oposição à protagonista. Antagonistas de boa caracterização costumam trazer maior profundidade ao enredo e ao conflito do arco trabalhado, se assim for o caso.

Deuteragonista: Essa é a personagem que possui um papel secundária na narrativa; um “segundo ator” na língua da Grécia Antiga. Da mesma maneira, o tritagonista possui o papel terciário e assim por diante.

Secundários: Os personagens secundários são aqueles que compõem o “elenco” da trama, porém não possuem grande destaque narrativo (em sua maioria). No entanto ainda pode-se utilizar os secundários como pontos principais de arcos que possam se entrelaçar no pilar principal do enredo, não os utilizando somente como “peças” do mesmo.

2 – Personalidade:

Como já dito, a personalidade de uma personagem, assim como a nossa, é determinada pela vivência, que molda tipos de pensamentos e sentimentos, o que os leva a obterem tendências a executarem atitudes x ou y.

Sendo assim, há três tipos de personalidades características para personagens:

Indivíduos: São as personagens que possuem características pessoais marcantes, que acentuam sua individualidade. São considerados “personagens únicos”, tanto por suas descrições, como por sua personalidade. São personagens que provocam impactos com suas ações e rompem com a linearidade do enredo.

Caricaturais: São as personagens que possuem traços de personalidade ou padrões de comportamento propositalmente acentuados (às vezes pode até beirar o ridículo) em função de cômica ou sátira. São personagens muito comuns em novelas ou desenhos.

Típicos: São as personagens identificadas pela profissão, comportamento, classe social, entre outros detalhes desse cerne. São moldadas num traço distintivo comum a todos os indivíduos de uma categoria; o jornalista, o estudante, a dona de casa, etc.

3 – Evolução:

A evolução das personagens, dentro da narrativa, é um ponto chave na definição de suas ações e consequências tanto para si quanto para outrem. Essa pode ser dividida em dois tipos.

Plana ou estacionária: São personagens construídas em redor de uma única qualidade ou defeito. Essas personagens não possuem profundidade psicológica, portanto, não têm os comportamentos alterados ao longo da narrativa. São, como o nome indica, estáticas. Podem ser definidas em poucas palavras, por um traço ou por um elemento característico básico.

  • As personagens planas são, normalmente, caracterizadas com personalidades típicas ou caricaturais;

Evolutiva ou esférica: São personagens complexas, definidas por vários traços de personalidade (indivíduos), que possuem diversas contradições. Apresentam comportamentos imprevisíveis, enigmáticos e que vão sendo definidos no decorrer da narrativa, podendo evoluir e, muitas vezes, surpreender o leitor. Possuem tanto virtudes quanto defeitos. São personagens que expressam a verdadeira natureza humana.

4 – Dimensão:

A dimensão das personagens está um pouco atrelada a sua evolução e personalidade/características, concernindo na superfície adentrada por cada uma. Elas são divididas em três dimensões.

Unidimensional: Personagens unidimensionais, no termo básico, não parecem reais. Em termos mais definitivos, são personagens superficiais. Geralmente eles não possuem desenvolvimento, carecem de profundidade e não aparentam aprender ou crescer. Suas ações são previsíveis, fazendo o leitor saber como se portará em diferentes ocasiões do início ao fim. Segue bastante a linha das personagens caricaturais e estacionárias.

Bidimensional: Personagens bidimensionais são aquelas que possuem um objetivo e uma personalidade únicas (embora possuam emoções diferenciadas) e que, no final da obra, esses dois fatores permanecem imutáveis. Nada afeta essa personagem; nem mesmo morte, família e amigos mudam sua forma de encarar o caminho até concluir seu desejo.

Tridimensional: Personagens tridimensionais são as personagens mais próximas da humanidade como conhecemos. São criações que são mutáveis, que emocionam, que fazem pensar, que possuem três tipos de dimensões (e daí que vem o nome).

  • Física: A dimensão física passa tanto por suas características quanto por seus bens-materiais, além de atitudes, trejeitos e outros detalhes abordados na definição de personalidade.
  • Social: A dimensão social concerne a seus relacionamentos com família, amigos e etc. Determina e trabalha níveis de afinidade com outras personagens, afetos ou desafetos, também abordado na definição de relacionamentos.
  • Psicológica: A dimensão psicológica engloba os tipos de pensamentos da personagem, o que sente e deseja. É onde se estabelece suas qualidades e defeitos, assim como as influências de outrem e de seu próprio passado no que ele é hoje.

Antes de criar personagens, defina bem seu público-alvo e, principalmente, o teor da obra na qual está escrevendo. Em muitas obras há possível utilizar diversos tipos de dimensões, características e evolução de personagens, diversificando ao máximo para que o prosseguimento da história tenha diversos caminhos possíveis a serem traçados.

No entanto em determinados tipos de obra e gêneros, alguns exemplos de personagens não funcionam da melhor forma e tendem a afastar leitores. O ato de pensar e moldar personagens não é simples; talvez seja tão complicado quanto estabelecer um enredo e um mundo, já que são eles que irão mover as engrenagens disso tudo, no fim das contas.

Tome muito cuidado com estereótipos e determinadas inconsistências que possam puxar sua personagem para um buraco sem fundo. Planejar, caracterizar e construí-los da maneira mais cuidadosa possível lhe ajuda a não ter só o controle absoluto deles, como o de toda a obra no enlace geral, além de prevenir furos e incoerências no decorrer da escrita.

Este artigo foi escrito por Thalles Roberto, membro ilustre da Novel Brasil e autor de "A Voz das Estrelas", na Kiniga. Eu, RenCmps, fiz apenas a edição. Obrigado por terem lido.

Escrito por: RenCmps

1 comentários :