Como fazer comédia nas obras (Artigo +)

Inúmeros Jeitos de Aplicar Comédia em sua História

(jeitos com pinto e jeitos sem pinto — explicação no artigo)

Escrito pelos auto-intitulados mestres do humor


Neste mundo, existem dois tipos de comediantes: os que são engraçados e os que se acham engraçados. Se você está lendo esse artigo, imagino que provavelmente não deva ser o segundo.

Então, seja bem-vindo e se prepare para aprender sobre um dos gêneros mais importantes para qualquer obra:

A Comédia

Eu, Luiz Gê., juntei-me com os escritores Kamo Kronner, Alonso Allen e Paulinha, membros ilustres da coordenação da Novel Brasil, para falarmos, reunirmos e debatermos a respeito de algumas dicas e jeitos de aplicar comédia em sua história, oriundas de nossas experiências como autores de obras de comédia.

Mas para que aprender a escrever comédia? Minha história é sobre um cara de manto negro e espada longa que sai por aí matando monstros da forma mais sangrenta que conseguir. Onde exatamente há espaço para risadinhas nisso?

Não entrando em detalhes muito profundos sobre o lugar das piadas em cada tipo de história, vamos falar de um fato que provavelmente todos nós já sabemos: todo ser humano ri.

Sim, não importa o quão frio, o quão calculista, o quão triste uma pessoa seja. Sempre que há interação frequente entre dois seres humanos, eventualmente algum fato engraçado ocorre.

Afinal de contas, quando você está com seus amigos, o grupo não gosta de falar coisas que provocam um sorriso? Mesmo nas piores situações, as pessoas buscam algo feliz para se distrair.

Então, sim. O seu protagonista super incrível que veste negro e anda negro, quando conversar com seus aliados de batalha, vai ver algum acontecimento que provocará gargalhadas de alguém, mesmo que não seja ele.

Mas, além de ser verossímil, a presença de comédia em uma obra pode ajudar a definir outros lados dos seus personagens que não poderão ser vistos com frequência durante o enredo principal. Tirará a tensão dos ombros do leitor e permitirá que ele veja aquelas pessoas que acompanhou por tantos capítulos com mais carinho.

Então, se quiser que sua audiência crie um motivo extra para se importar com o lado humano da sua obra, considere ter a comédia no seu leque de ferramentas. Mas, não se esqueça: você não pode comer açúcar puro e considerar uma sobremesa.

O que eu quero dizer com isso? Bom, como podem ver, nunca citei a comédia como sendo uma parte que agrega algo diretamente ao enredo principal. Disse inclusive, que ela pode ser útil para desenvolver coisas que não serão mostradas nessa corrida até o vilão.

Isso porque, em qualquer obra de ficção, a comédia não deve ser o gênero principal. Tal como o açúcar em uma sobremesa, ela é apenas uma das bases do que deve ser a sua história.

A intensidade da presença dela em sua obra pode variar, dependendo da vibe que você quer passar. Por exemplo, se você está criando uma história de drama puro, é provável que as piadas só apareçam nela para quebrar um pouco da tensão e humanizar os personagens.

Enquanto isso, nas tão populares comédias de ação, você teria a ação como gênero principal e cenas de batalha estilizadas para fazer rir, além de uma presença muito maior de piadas no geral.

Mas, mesmo nesse tipo de obra, que possui comédia como um gênero secundário, o caminho óbvio é o aumento da seriedade conforme o clímax se aproxima, quase que abandonando completamente o humor no ponto final da história.

Isso acontece porque a comédia por si só não tem capacidade de gerar um conflito excitante, que evitará que uma pessoa na internet não perca a paciência e feche a aba da sua novel. Se estiver pensando em escrever uma obra só de comédia, pense melhor, pois estará em um caminho bem perigoso.

Agora que você já sabe de tudo isso, está pronto para aprender a usar essa carta coringa da melhor forma possível. Então, iremos te guiar pelo mundo das gargalhadas e garantir que você chegue no seu destino.

Estrutura do Humor

Mas qual, exatamente, é o esqueleto de uma piada? Onde eu começo a desenvolver uma?

São tantas perguntas difíceis, não é mesmo? Mas não tenha medo, pois a resposta está mais próxima do que você imagina.

Você, escritor iniciante, já deve estar familiarizado com a estrutura narrativa de uma história. E se não estiver, vai estudar! Saber sobre esse modelo é essencial para seu roteiro não ficar com mais furos do que um cara reagindo a um assalto.

Mas, voltando ao assunto, a forma como você desenvolve uma piada é exatamente igual à forma como você cria seu enredo. Não está convencido? Apenas veja como comediantes de stand-up estruturam seus shows. Eles basicamente contam casos que aconteceram com eles. É efetivamente uma narração.

Mas para definir como usamos a estrutura narrativa em uma piada, primeiro precisamos pensar em qual é o elemento mais importante para fazer com que todas as engrenagens se movam. E esse elemento é a surpresa.

Muitos de vocês sabem o que é um plot twist, certo? É um ponto da história que a vira totalmente de cabeça para baixo, revelando que aquilo que você tomava como verdadeiro até então era uma enganação. A punchline, falando da escrita de humor, faz exatamente esse papel.

Tomemos como um exemplo a seguinte piada: “As mulheres só me chamam de feio até descobrirem o quanto eu ganho. Aí elas me chamam de feio e pobre.”

A punchline dela é a parte que ele afirma que as mulheres o chamam de feio e pobre após uma certa situação. Perceberam que essa afirmação só aparece no finalzinho da narrativa? Assim como um plot twist, as punchlines ficam cada vez mais efetivas quanto mais você atrasa a sua chegada.

Isso porque, se formos considerar a estrutura de três atos, ela não é nada mais, nada menos, do que o clímax da sua história. A parte onde toda a catarse ocorre e o envolvimento do leitor está lá no alto.

Mas está faltando alguma coisa, certo? Uma história não pode existir somente com o clímax e pronto. O que estaria faltando para a piada se completar? Obviamente, a introdução e o desenvolvimento da história.

Você também pode chamar estas duas partes de “início” e “meio”, mas, para utilizarmos terminologia específica para a escrita de piadas, a introdução é chamada de set up, e o desenvolvimento, de detalhamento.

O set up nada mais é do que a premissa da piada. Como introdução, é importante que seja uma situação facilmente identificável e, ao mesmo tempo, incomum, que faça seu leitor se interessar e imaginar o que vem a seguir.

Por exemplo, naquela piada, o set up é: “As mulheres só me chamam de feio até descobrirem o quanto eu ganho.”

A introdução é ótima em mostrar uma afirmação que ressoa com a audiência, pois muitas pessoas já ouviram falar sobre a ideia de que mulheres são interesseiras. Como consequência do conhecimento dessa premissa, elas imaginam que a conclusão óbvia é de que o homem se torna bonito para elas pelo fato de ganhar bem.

Percebam como isso abre margem para a punchline atingir o leitor de forma linda? A conclusão é de que o personagem na realidade é pobre, então continua feio, mas também pobre. 

Portanto, é a punchline que destrói todas as preconcepções que o leitor tinha sobre a premissa, mas nunca seria efetiva se essa premissa não existisse para começo de conversa. É por isso que o set up é simplesmente indispensável para o funcionamento de qualquer piada.

E então, chegamos ao detalhamento. Quando se trata de escrever piadas longas, que pareçam mais com um pequeno conto, é fundamental que existam detalhes para escalar a sua história a partir da premissa.

Óbvio, é possível perceber que em uma piada tão curta quanto a que usei de exemplo, existe apenas o set up e a punchline, mas, quanto maior for aquilo que quer elaborar, mais desenvolvimento terá.

Só que não seja bobo! É estritamente necessário que você dê apenas os detalhes necessários para a entrega da punchline. Afinal de contas, quanto mais informações você der, mais o leitor ficará perdido sobre o que você queria dizer para começo de conversa.

Vejamos como funciona uma piada em formato de conto utilizando toda a estrutura que vimos até agora.

— Se tem algum idiota aqui na sala, por favor fique de pé — disse o professor, de maneira sarcástica. (set up)

Depois de um longo silêncio, um dos calouros se levantou. (detalhe)

— Certo, garoto, por que você se considera um idiota? — questionou o professor, com um tom de deboche. (detalhe)

— Na real, eu não me considero — respondeu o aluno. — Mas não queria que você ficasse aí sozinho. (punchline)

Vimos então que a comédia não se trata apenas de soltar frases engraçadas ou colocar palavras soltas de forma cômica. Dependendo do contexto, um personagem contando uma piada na história pode soar nada engraçado. Também pode um personagem falar de forma totalmente séria e isso despertar gargalhadas no leitor.

Diferentes gêneros da comédia trabalham com isso de forma diferente. Então, vamos se perguntar:

Por que estudar mais a fundo sobre o gênero comédia?

"Histórias favoritas normalmente nos levam a um gênero favorito." Compreender isso facilita a pesquisa por características do gênero que combinam com a sua escrita.

É importante conferir e ficar por dentro das características do gênero que você deseja escrever, para que seu público-alvo tenha mais chances de gostar da sua história e para que você experimente o que mais combina com você.

Pensar no público-alvo é uma forma comum de definir o gênero da sua obra. Você quer escrever para crianças, adolescentes, jovens adultos, novos adultos ou adultos?

Não por acaso, cada gênero fornece diretrizes e estruturas típicas que acostumam os leitores e tornam as histórias mais semelhantes e familiares, isso é normal.

O tom de uma obra de comédia, por exemplo, possui um senso de humor mais explícito e o narrador normalmente é mais brincalhão, menos sério, mais descontraído.

Mesmo em uma obra de comédia, podem ser utilizados subgêneros da comédia que podem alterar tanto a voz do narrador, quanto a técnica utilizada e conteúdo. Há subgêneros que podem afetar o enredo como o todo e também aqueles que vão apenas dar toques de alívio cômico sem necessariamente afetar na história.

Vamos ver alguns dos mais populares:

  • Pastelão ou Comédia Slapstick: Pastelão envolve comédia física, expressões faciais exageradas e acrobacias. Esse estilo de humor foi popularizado no início do século XX por comediantes como Charlie Chaplin e os Três Patetas. No Brasil se destacou Os Trapalhões.
  • Comédia sombria: Também conhecida como humor negro, esse subgênero se concentra na incongruência de elementos cômicos e assuntos mórbidos como guerra, morte e crime. Esse estilo de humor é visto nas obras de escritores como Kurt Vonnegut e cineastas como os irmãos Coen.
  • Humor autodepreciativo: Concentra-se nas deficiências de um personagem ou ator em particular. A pobreza, a doença e condições adversas são utilizadas para desencadear o set up. Lembra do feio e pobre? Comediantes deficientes entraram na jogada, utilizando a própria doença como ferramenta do humor. Podemos destacar Lorrane Silva, Maysoon Zayid e Hannah Gadsby.
  • Comédia romântica: Este gênero de comédia combina temas de amor romântico com humor. William Shakespeare escreveu muitas comédias românticas influentes, incluindo O Mercador de Veneza (1596) e Noite de Reis (1601).
  • Alta comédia: Esta forma intelectual de comédia é exemplificada em obras como The Importance of Being Earnest (1895), de Oscar Wilde. Às vezes conhecida como comédia de costumes, a alta comédia normalmente usa humor satírico no contexto das sociedades de classe alta.
  • Humor situacional: Extraem humor das relações e dinâmicas, se afastando das piadas diretas. Os programas de televisão de comédia se valeram do conceito, criando a Comédia Situacional, em que um elenco recorrente de personagens em um cenário consistente desenvolvem a situação engraçada. A Grande Família é um exemplo bem conhecido no Brasil.
  • Paródia: São as obras que parodiam obras existentes ou até mesmo acontecimentos reais por meio de imitação e exagero. Exemplos de filmes de paródia incluem Young Frankenstein (1974) e Scary Movie (2000). O programa Porta dos Fundos é recorrente no gênero de paródia.
  • Humor surreal: Esta forma de humor se concentra em situações absurdas que desafiam a lógica e a razão. A trupe de comédia britânica Monty Python desenvolveu uma marca única de humor surreal em seus shows e filmes.
  • Tragicomédia: Tragicomédias combinam elementos cômicos com assuntos sérios para explorar diferentes aspectos da experiência humana.
  • Farsa: Gira em torno de personagens exagerados que lidam com situações improváveis causadas por falta de comunicação ou identidade equivocada. Home Alone (1990) e The Hangover (2009) são dois filmes populares que empregam farsa.
  • Comédia de jogo de palavras: Os artistas usam esse estilo de comédia para entreter o público usando jogos de palavras espirituosos. Exemplos de jogo de palavras incluem trocadilhos, duplo sentido, aliteração e rimas.
  • Comédia inexpressiva: Este estilo de comédia seca que evoca o riso através da intencional falta de emoção ao falar sobre temas absurdos. Os Comediantes Gregório Duvivier e a imigrante alemã, Lea Maria, são praticantes dessa técnica.
  • Comédia observacional: Os artistas usam a comédia observacional para chamar a atenção para o humor despercebido na vida cotidiana. Jô Soares utilizava como abertura de seu show na TV.

E não para por aí. Além desses gêneros mais populares, existem muitos outros e ainda mais surgindo ainda. A comédia é um trabalho artístico que encanta e engaja inúmeras pessoas em diversas mídias. Há uma verdadeira guerra em curso para ser o mais engraçado.

Entender os subgêneros da comédia vai te fornecer mais munições nessa batalha sangrenta de horrores em escala global que escritores e humoristas travam para fazer pessoas rirem e se divertirem.

Isso me faz questionar uma coisa: por que tanto as pessoas buscam por comédia?

Para todas as perguntas como essas, Freud explica:

A Psicologia da Comédia

Para Sigmund Freud, o pai da psicanálise, o humor é um dom precioso e raro e, também, teimoso e rebelde.

Assim sendo, esqueça o que ele disse e vamos falar de novel. Afinal de contas, não queremos ficar aqui discursando sobre teorias freudianas em um artigo sobre comédia, não é mesmo?

Vamos a um ponto mais interessante. Acredito que muitos que estão lendo este artigo gostariam de escrever histórias épicas, com lutas cinematográficas, suspenses de dar calafrios abaixo de zero, cenas românticas de chorar rios… ou mesmo para tirar boas risadas do leitor com ótimas piadas, mesmo.

Para todos vocês, Freud disse que o humor surge como um meio de obter prazer apesar dos afetos dolorosos que interferem com ele; atua como um substitutivo para a geração destes afetos, coloca-se no lugar deles. O humor seria uma das operações psíquicas mais elevadas, um dom raro e precioso, que se mostra um recurso para auferir prazer diante dos embates da vida e da trágica inevitabilidade da morte.

Por essa vocês não esperavam.

As obras que contêm comédia, por meio do humor, conseguem converter em prazer toda a aflição das lutas, toda a agonia do suspense e toda a tristeza das relações interpessoais. O humor consegue dos leitores o afeto pela obra e a satisfação em lê-la.

Um colega de profissão de Freud, Norman Frank Dixon, também disse que o humor é uma importante estratégia humana para lidar eficazmente com o estresse.

Desde histórias recheadas com piadas até aquelas histórias sérias com pitadas de risadas, todas elas deixam mais leve o sofrimento humano que habita a psique de todos.

Para Freud, portanto, o humor é análogo a uma medicação e mereceu um estudo por ele para o campo da psicanálise. Segundo ele, a chiste — as tiradas de humor e piadas que permeiam a convivência humana — está baseada em seis técnicas básicas:

  • Condensação: junção de duas palavras ou expressões para formar um equívoco;
  • Deslocamento: sentido de uma expressão é deslocado no discurso;
  • Duplo sentido: uma expressão ou palavra que possuem mais de um sentido;
  • Uso do mesmo material: uso das palavras para gerar um novo sentido;
  • Trocadilho ou chiste por semelhança: em que uma expressão se refere ao outro sentido; e
  • Representação antinômica: quando se afirma algo e logo em seguida a nega.

Em seu livro Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente, o psicanalista buscou entender o que nos faz achar graça e, após estudar estilos de estruturas dos chistes, compreendeu que o chiste também é uma forma de expressão do inconsciente e que as intenções de cada um são elementos importantes para determinar qual estilo ou forma de chistes essa pessoa utilizará.

Piadas Tendenciosas X Piadas Inocentes

Preocupado em tratar das piadas tendenciosas e das inocentes, Freud ressalta, no livro já mencionado, que o chiste inocente é quase sempre responsável apenas pelo riso moderado, ocasionado principalmente pelo seu conteúdo intelectual (por exemplo, piadas de "toc toc", que não contêm um sentido mais amplo e profundo), enquanto o chiste tendencioso é aquele capaz de provocar uma explosão de risadas.

O autor coloca ainda que, como os dois tipos de piadas possuem a mesma técnica, o que tornaria o chiste tendencioso irresistível seria o fato de que ele poderia possuir fontes de prazer das quais as piadas inocentes não poderiam acessar. Em outras palavras, quando se refere às piadas tendenciosas, quer dizer apenas que elas possuem uma tendência ou um objetivo específico.

Enquanto a graça das piadas inocentes se encontra em sua técnica, a das tendenciosas deriva tanto da técnica quanto do conteúdo expresso por ela, seu objetivo final, a satisfação de desejos inconscientes.

As piadas tendenciosas seriam uma forma de nos esquivarmos de nossas inibições para expressar nossas pulsões ou nossos conteúdos mentais inconscientes. Nesse sentido, elas são utilizadas para expressar tudo aquilo que não poderia se tornar consciente por outros meios.

Assuntos de cunho sexual, por exemplo, que não costumam ser tratados abertamente com pessoas pouco próximas, podem ser trazidos à tona por meio dos chistes. Basta perceber como as piadas que utilizam esse tipo de conteúdo provocam riso.

Um exemplo que Freud conta em seu livro é a história de um rei que andava pelas ruas de seu domínio. Enquanto caminhava, encontrou um aldeão que se parecia muito com ele. Tamanha era a semelhança que o rei parou para conversar com o súdito. O rei então lhe perguntou: “a sua mãe já esteve na corte?”, ao que o aldeão respondeu: “não, senhor, mas meu pai sim”.

Nesse caso, temos uma piada cuja fonte de prazer se encontra tanto na técnica quanto no conteúdo que ela expressa.

Pensemos primeiramente no conteúdo. O rei, ocupante da mais alta posição de poder, zomba de um aldeão através de uma insinuação sexual. O aldeão, que deve servir e respeitar seu rei, não poderia ofender a ele ou à sua mãe diretamente, logo, por meio de uma piada, ele consegue expressar seu desejo de resposta.

Quanto à técnica, Freud acredita que quanto mais velado estiver o conteúdo da piada, mais bem elaborada ela é — e, portanto, mais cômica.

Em resumo, a piada é composta pela técnica e pelo conteúdo, e sua graça deriva de ambos. Mas, ainda assim, Freud não conseguiu definir qual a proporção entre a importância desses elementos.

Dicas para a escrita de comédia

Agora que entendemos todo o conceito técnico que envolve a comédia, reunimos 7 dicas importantes que vão aprimorar a sua escrita e agregar valor à sua história.

1. Não queime a largada

Imagine você contar uma piada, mas ela está fora de ordem, ou então ela está escrita de maneira errada, ou ainda ela está escrita de forma correta, mas com um sentido diferente da que era para ser.

A solução para tal não tem outra, é estudar gramática e se certificar que a frase está escrita no sentido desejado.

A respeito de ordem, no entanto, podemos aplicar o princípio da relevância do conceito de coerência textual.

Ou seja, as ideias devem estar relacionadas entre si, não devem ser fragmentadas e devem ser necessárias ao sentido da mensagem.

  • Coerência correta: O homem estava com muita fome, mas não tinha dinheiro na carteira e por isso foi ao banco e sacou uma determinada quantia para utilizar. Em seguida, foi a um restaurante e almoçou.
  • Erro de coerência: O homem estava com muita fome, mas não tinha dinheiro na carteira. Foi a um restaurante almoçar e em seguida foi ao banco e sacou uma determinada quantia para utilizar.

Observe que, embora as frases façam sentido isoladamente, a ordem de apresentação da informação torna a mensagem confusa. Se o homem não tinha dinheiro, não faz sentido que primeiro ele tenha ido ao restaurante e só depois tenha ido sacar dinheiro.

O ordenamento das ideias deve ser correto, pois, caso contrário, mesmo que elas apresentem sentido quando analisadas isoladamente, a compreensão do texto como um todo pode ficar comprometida.

2. Não explique a piada

Essa nem eu preciso explicar. Próximo!

Brincadeira.

Explicar uma piada é horrível por 2 motivos:

  1. Ao supor que o leitor não teve capacidade mental o suficiente para compreender por si só a piada que você contou, você automaticamente estará cometendo um dos maiores pecados de um autor: tratar o seu leitor como idiota.
  2. Se você precisa justificar a alguém o porquê de sua piada ser engraçada, parabéns, você não fez uma piada ruim, você fez uma aberração. Você não só falhou como comediante, como também como escritor.

3. Timing cômico / Momento oportuno

Comédia é fornecer um resultado inesperado para uma situação. Qualquer piada, mesmo as merdas, funciona assim.

Vide este exemplo:

Por que isso tem graça? Simples, o resultado é inesperado.

As pessoas tensas, não teriam como relaxar e dormir. O protagonista sempre brilha nessas situações, tomando o papel de condutor dos eventos e da trama, personagem que move as coisas.

Mas, nesse caso, ele deitou e dormiu, então, em mais de um sentido, a cena foi montada de uma forma e o resultado foi diferente do esperado e comum. Isso causa a graça.

4. Não existe história de comédia, mas sim história com comédia

Muita gente quer fazer comédia, mas há um detalhe importante: uma obra onde a comédia é o principal, não funciona bem. É muito, mas muuuuuuuuuito, difícil.

Se até obras curtas podem ter dificuldade, imagina uma novel longa. Fica sem graça, e isso é inevitável.

Então, a dica suprema: permeie a comédia na sua obra.

Coloque tiradas engraçadas dos personagens e cenas que podem ter um aspecto cômico. Aproveite também para inserir situações engraçadas em momentos onde a tensão está baixa para dinamizar a obra quando ela está mais tranquila.

A história é feita de altos e baixos, momentos com muita e pouca tensão. Uma piada ameniza a cena, deixa até mesmo uma situação pesada mais leve — vide piadinha de soldado em filme de segunda guerra, sempre para amenizar a situação. 

Alonso, autor de Mago Bombado, não faria uma piadinha numa cena de clímax, onde o protagonista perde o irmão para o inimigo, mas tranquilamente colocaria alguém tirando sarro da própria miséria, após sofrer as consequências de algo — o clássico "nunca mais poderei jogar bola", que o cara sem uma das pernas manda no hospital.

5. Use, não abuse.

Falando em Mago Bombado, o conto com mais views, e que Alonso usou tudo isso para fazer piada, fica bem óbvio que não dá pra dizer que: fazer isso está errado e não dá certo.

Todas elas funcionam quando feitas do jeito correto.

Por exemplo, ele repetiu o mesmo trecho para ser cômico e parou apenas quando sentiu que era o suficiente. Repetiu, mas não exagerou; contudo, falar para não repetir parece que não dá para fazer mais de uma vez. Então estaria errado, concorda?

Situações praticamente impossíveis permeiam a obra dele, porque no caso ele montou um mundo em que aquilo se tornaria aceitável mesmo sendo para ser piada, concordando com a parte da construção, mas torna o lance do "não exagere", uma inverdade.

Quanto a tipos de piadas que podem ser utilizadas, muitos dizem “aposte no tipo de piada que te faz rir”. Vamos ver o que o Alonso pensa disso:

Cara, é uma baita armadilha. Cito duas coisas. O psicológico de um certo autor que escreve comédia quando tá triste: ele não ri enquanto faz. Eu morro de rir escrevendo, e aposto em vários tipos de piadas diferentes, justamente para alcançar mais gente. Tem 15 piadas em 20 linhas e se o cara gostar de uma delas, já é um texto bom de comédia.

Tudo depende da intenção.

6. Crie situações difíceis de acontecer, não impossíveis.

Em se tratando de comédia, praticamente tudo é válido, até mesmo uma formiga carregando um elefante nas costas dando um bom-dia para uma preguiça maratonista.

Mas isso só funcionaria em uma história que aquilo é aceitável, um mundo onde a física e a lógica são ignoradas.

Quando falamos para “permear a comédia na sua história”, não falamos para distorcer o mundo dela. Portanto, não destrua a sua história e enredo por conta do humor que quer inserir.

Uma das formas de se inserir suavemente a comédia na sua história é o humor situacional.

O humor situacional é a forma lúdica como são apresentadas situações negativas, ou mesmo inversamente positivas, para os personagens. Isto requer que considere experiências prévias do leitor com uma situação igual ou parecida.

Um homem está tentando abrir a tampa de uma garrafa com muito esforço. Uma mulher se aproxima e toma a garrafa dele, abrindo com facilidade, girando para outro lado.

Não só de situações amenas, sem tensão alguma, se alimenta o humor situacional. É corriqueiro utilizar situações de enrascadas ou flagrantes para fazer o leitor rir.

Em comédia romântica, este recurso é muito utilizado, colocando os personagens em situação de desavença. No entanto, para o leitor, fica a sensação de “Ih, se ferrou” e rirem com isso. É o humor da desgraça alheia.

As enrascadas não é um recurso de humor situacional somente da comédia romântica, claro. No programa de TV Chaves, foi muito explorado também.

Lembra da cena na escola em que os alunos ficavam em um falatório barulhento e, quando o Girafales pedia silêncio, o Chaves continuava a falar sozinho falando mal do professor? E aquelas cenas em que Seu Madruga era mal entendido por Dona Florinda porque ela só pegava uma parte da conversa dele com outras pessoas?

Inserir o humor situacional na sua história com certeza não é um trabalho fácil, mas é uma técnica que pode combinar com qualquer tipo de narrador e personagens, sem fazer grandes alterações no clima, na mecânica ou no mundo da história.

Mesmo em uma história séria, é possível que se aplique a comédia por meio do enquadre, ou playframe.

Pelo enquadre, o leitor entenderá que aquela situação não trará grandes consequências na narrativa — não é uma situação séria — permitindo que seja risível.

Espero que tenha gostado deste artigo, e, se tiver mais dúvidas, nos procure no Discord. Agradecemos às madrinhas e aos padrinhos da Novel Brasil que tornaram possível este feito. Vocês são demais!

Espera! E a 7ª dica?

Ficamos por aqui. Até a próxima!

Escrito por: Luiz Gê.

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